Artista Do Desastre narra os bastidores de um dos piores filmes de todos os tempos
No final da década de 1990, os atores Tommy Wiseau e Greg Sestero foram para a Califórnia com a intenção de se tornarem estrelas. Após participarem de vários testes e sessões de fotos, os seus sonhos pareciam cada vez mais longe de serem concretizados. O motivo? Falta de talento. Cansados de serem rejeitados, decidiram fazer com as próprias mãos o filme que os alçaria à fama internacional. O resultado dessa empreitada foi The Room, longa considerado por muitos críticos como o pior filme já feito (confira este artigo) e cujos bastidores constituem o núcleo narrativo de Artista Do Desastre (The Disaster Artist), a nova aventura de James Franco por trás das câmeras.
De todos os motivos capazes de justificar o fracasso de The Room, inegavelmente, o principal é a incapacidade técnica de Wiseau em cada uma das etapas da realização (ele protagoniza, produz, escreve e dirige). Aliás, a figura enigmática do ator foi essencial para que o filme se tornasse um fenômeno cult nas sessões da meia-noite. Até os dias de hoje, as informações básicas acerca da sua identidade permanecem um mistério e pouco se sabe sobre o seu passado e a origem de sua fortuna (essa fascinação em volta da figura também se deve ao seu visual peculiar e até amedrontador).
Em Artista Do Desastre, quem o interpreta é o próprio James Franco (Tudo Vai Ficar Bem e Tinha Que Ser Ele?). Com os seus cabelos longos e fortemente tingidos de preto, ele recria os movimentos lentos de Wiseau, os olhos semi-mortos e a voz arrastada, parecida com o prolongamento de um lamento constante. Já o responsável por encarnar Sestero é o irmão do ator, Dave Franco, que o compõe como um jovem simples, sonhador e solidário, o que serve de contraponto perfeito à excentricidade do primeiro.
Juntos, eles formam o coração do filme. É na relação de amizade entre os dois que reside o verdadeiro interesse de Franco e dos roteiristas Scott Neustadter e Michael H. Weber (o texto é baseado no livro de Greg Sestero e Tom Bissell). Isso não é uma novidade para o diretor e os seus parceiros de trabalho contumazes (Seth Rogen interpreta um dos membros da equipe de filmagem e Judd Apatow faz uma ponta como um produtor de Hollywood). Quase todos os filmes do grupo giram em torno de amizades masculinas e dos valores que as consolidam.
Portanto, nada mais natural que o foco de interesse seja esse e que os resultados obtidos a partir dele se mostrem bem-sucedidos. Os grandes momentos dramáticos de Artista de Desastre se devem ao conflito que nasce de duas mentes focadas no mesmo objetivo, mas que, em qualquer outro assunto, são completamente diferentes. Uma pode ser chamada de comum e, diante de opostos, reage às coisas com decepção ou alegria, ao passo que a outra, tanto no fracasso quanto no sucesso, sempre encontra maneiras grandiloquentes ou egocêntricas de extravasar (comportamento que também se estende a outras situações).
A beleza do insucesso
No entanto, essas peculiaridades — que, para muitas pessoas, são fontes de escárnio — acabam por transformar Wiseau numa personalidade única e especial. Nada em suas ações ou figura se encaixa nos padrões estabelecidos e prezados pela sociedade. Isso é ainda pior em Los Angeles, onde a beleza física, os gestos e a conduta profissional atendem a um modelo específico e que exclui totalmente o que nele não se encaixa. Conhecer ou conviver com uma figura dessa natureza não é um fenômeno comum e talvez seja essa a razão (além da lealdade) que manteve Greg ao lado do amigo até mesmo nos momentos mais surreais e inacreditáveis.
Inclusive, é justamente por não se curvar às exigências coletivas que Wiseau encontra o seu sucesso. Não, ele não virou um astro hollywoodiano e nem entrará para a história do cinema como um artista talentoso, porém, conseguiu ser a estrela de um filme, o qual só ganhou vida graças aos seus esforços, dinheiro e mão de obra. Em certo momento, ele diz para Greg: “Este é o nosso filme”. De uma maneira sucinta, essa frase exemplifica perfeitamente a sua conquista. Independentemente da qualidade da produção (que inexiste) e do sucesso obtido posteriormente, ele foi um vencedor. Protagonizou e estrelou uma obra quando todos lhe diziam que nunca conseguiria.
Do ponto de vista dramático, essa situação é muito parecida com a de Ed Wood, o diretor de abominações como Plan 9 From Other Space. Ambos eram figuras solitárias e cuja autorrealização se deu às avessas. Entretanto, é de se lamentar que, ao contrário do filme que Tim Burton dirigiu sobre o cineasta, Artista Do Desastre tenha uma composição estética tão empobrecida (há excesso de câmera na mão e planos tremidos). É verdade que Franco busca emular o naturalismo de The Room, principalmente através da iluminação e do estilo seco, e que esse objetivo até chega a ser atingido. Porém, nenhuma imagem ou quadro revela algo além do que é dito ou transmitido pelo roteiro.
Além disso, a evidente fascinação de Franco e dos roteiristas por Wiseau impede que haja um aprofundamento psicológico ou uma especulação biográfica sobre o personagem (o filme nunca chega a se perguntar por que o protagonista age dessa maneira ou se os eventos narrados em The Room são baseados na vida real). Contudo, uma vez que essa não é a intenção primordial e o resultado alcançado a partir dos propósitos originais é satisfatório, esses defeitos terminam amenizados frente às boas atuações e às reflexões feitas sobre a amizade e a verdadeira natureza do fracasso. Sob essa ótica, Artista Do Desastre se revela uma experiência interessante e curiosa. Ao longo do filme, é muito difícil não se deixar levar por essa estranha história de estrelato e extravagância.