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Ainda Temos a Imensidão da Noite – Punk Psicodélico com Trompete!

Sons e sensações marcam Ainda Temos a Imensidão da Noite, novo filme de Gustavo Galvão

O diretor Gustavo Galvão aborda a cena musical independente em Ainda Temos a Imensidão da Noite. O filme conta a história de Karen (Ayla Gresta), vocalista e trompetista da banda Animal Interior, que diariamente luta por conquistar o público na cidade de Brasília, enquanto tenta equilibrar as responsabilidades da vida adulta com seus sonhos de viver da arte. 

Crítica de Ainda Temos a Imensidão da Noite

A protagonista mora numa cidade satélite de Brasília e precisa fazer um deslocamento diário para seu trabalho e ensaios. Ela também paga os remédios do avô (Fernando Teixeira), que ajudou a construir a cidade “mas nunca conseguiu viver no Plano Piloto”. A jovem também divide seu tempo com os companheiros de banda ou fumando maconha em uma escadaria escadaria (onde vemos a placa de “não fume”). Quando Karen é demitida por não querer trabalhar num dia que tem show marcado, ela decide ir para Berlim, com a ideia de fazer música por lá junto com seu ex-parceiro de banda Artur (Gustavo Halfeld).

Partindo sem um casaco adequado para o frio alemão ou mesmo um plano, ela pula de local em local esperando o próximo obstáculo que a vida inevitavelmente a trará. O roteiro, assinado por Gustavo Galvão junto com sua produtora associada e primeira assistente de direção, Cristiane Oliveira (que dirigiu o ótimo Mulher do Pai, de 2016) e Barbie Heusinger. Alguns temas de marginalidade exploradas em seu filme anterior aqui se repetem, mas dessa vez através de ímpetos, sensações e reações, não com uma estrutura temática. Há nas cidades e nas personagens o pixo, o anarquismo light de quem está insatisfeito com a sociedade, mas não consegue oferece soluções, limitando-se a cartazes com frases como “quem nos defende da polícia?” e afrontas vagas, um grito melancólico que ainda não foi canalizado em energia criativa. 

É uma nova geração beat, sujadas com uma malandragem brasileira e uma sensação de merecimento sem justificativa, como se por alguma razão o mundo devesse algo a elas. Quando Karen perde o emprego, resigna-se a reclamar que a rescisão foi paga em dinheiro vivo. Marat Descartes, que esteve no trabalho anterior do diretor, o peculiar “road movie marginal” Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa (2013), tem um pequeno papel como Alex, amigo da banda. Ele apresenta os integrantes a um delegado após uma rixa com um vizinho por barulho exagerado: um radialista, um jornalista, uma designer… “Somos músicos”, corrige um deles. Um novo underground, anticonformistas que moram na casa da mãe para ter dinheiro para comprar cocaína e maconha, decididos que suas contribuições artísticas deveriam ser o suficiente para a sociedade os abraçar e aceitar.

Crítica de Ainda Temos a Imensidão da Noite

Animal Interior

A banda Animal Interior foi montada especialmente para o projeto do filme e ensaiou por três meses antes do início das filmagens sob produção de Lee Ranaldodo, do Sonic Youth. A proposta de usar músicos ao invés de atores para os personagens principais do filme gera um resultado inconstante. No caso da estreante Ayla Gresta, é revelado um novo talento no cinema nacional. A atriz é versátil e atua bem, não deixando a desejar quando contracena com Marat Descartes e, em outras ocasiõe, segurando cenas sozinha. Em outros momentos, os diálogos soam artificiais e prejudicam o resultado, como quando são apresentados ao alemão Martin pela primeira vez ou em uma cena conversando com o dono de um bar. É o estranhamento de alguns filmes do Gus Van Sant, mas sem o experimentalismo que permite que não fique tão fora do lugar.

O filme é engraçado, com destaque para uma sequência ótima em uma delegacia de polícia, mas a entrega nem sempre é certeira, com algumas piadas, que dependem de tempo de comédia, caindo por terra. A fotografia volta a ser de André Carvalheira, com quem o diretor trabalhou nos seus filmes anteriores, apresentando imagens lavadas, reforçando o clima e personagens frios e apáticos retratados na obra.

Crítica de Ainda Temos a Imensidão da Noite

Sofrer pela arte

“E quando não tiver ninguém para assistir seu show?” pergunta um colega de trabalho à Karen, rindo. “Eu me mato”, ela responde, séria. Para ela, sem reconhecimento, sua arte não tem valor. A banda começa a questionar suas decisões, como arranjar um outro vocalista para ficar menos instrumental ou se o nome é “muito cabeça.” Quando a narrativa chega em Berlim, as semelhanças da cidade com Brasília são tão perceptíveis quanto as diferenças. “Berlim está virando Orlando” reclama um barman, irritado que no bairro turístico onde tem um emprego fixo todos falam inglês.

O filme reforça a hipocrisia dos personagens ao colocá-los almoçando shawarma e, pouco depois, reclamando dos “restaurantes de comida tailandesa que cobram 12 euros de turistas trouxas.” O paralelo das duas cidades não para por aí: dois lugares frios (uma de maneira literal), com seus becos pichados, repletas de insatisfação, drogas e jovens com falta de rumo. Apesar dos atores serem músicos, a maioria dos planos são tão fechados nos instrumentos, que era possível ter atores menos crus fingindo tocar e ter cortado para os instrumentos. Com exceção de uma cena de sexo e uma banda tocando numa rua de Berlim, quase todos os planos do filme são estáticos, o que causa um estranhamento para um filme com música, mas que de certa forma contribui para a sensação claustrofóbica.

Com 98 minutos bem explorados, Ainda Temos a Imensidão da Noite é um longa que transborda talento, mas tem pouca estrutura. Ele funciona bem por transmitir um clima, uma melancolia raivosa, sem medo de se apoiar no humor. Apesar de suas falhas, representa um ótimo exemplar do cinema nacional e deixa curiosidade para a próxima obra da equipe de criadores. Vale uma conferida.

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