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A Senhora da Van – Menos política, mais amor!

A Senhora da Van - Pôster

Nos últimos anos, dentro do debate político brasileiro, tem sido frequente a associação do choque de classes como causa de grande parte da insatisfação social de uma camada expressiva da classe média. Em muitos momentos, novelas, livros, filmes e outros produtos da cultura pop são acusados de fazer apologia radical ou crítica feroz a esse cenário, que parece alimentar a criatividade ‘intelectualoide’ do país. Para os companheiros-frustrados ou para os salgados-de-padaria-ressentidos, o britânico A Senhora da Van (The Lady in The Van), filme de Nicholas Hytner, pode ser oportunidade para uma boa filosofia de bar (se é que filmes britânicos chegam a tanto).

Em um bairro de classe média de Londres, todos vivem em paz com sua rotina aristocrática de teatros no fim do dia e fofocas da vida alheia a cada manhã.  A tranquilidade burguesa, no entanto, é abalada com a chegada da senhora Mary Shepherd (Maggie Smith), uma velhota mal-humorada que mora em uma van caindo aos pedaços e que possui péssimos hábitos de higiene. De tempos em tempos, Miss Shepherd estaciona seu veículo em frente a uma das casas da rua, onde permanece por longos períodos para o terror dos vizinhos.

A Senhora da Van

Ninguém é indiferente à presença da senhora solitária de quem ninguém sabe o passado. Nem mesmo Alan Bennet (Alex Jennings), o único que consegue criar uma conexão com a mulher que vai além da crítica superficial. Cabe a Bennet contar a história dos muitos anos em que conviveu com Shepherd e o quanto ela mudou sua vida e, espera ele, vice-versa. A Senhora da Van é um filme autobiográfico, “grande parte baseado em uma história real” como ressalta o alerta inicial. O escritor e roteirista Alan Bennet adaptou para o cinema o livro de sua autoria, onde retrata uma fase importante da vida, quando ainda não atingira qualquer status de relevância cultural.

Na história, Bennet demonstra compaixão, envolta em muita resistência e preconceitos, ao oferecer a Shepherd o uso do banheiro e depois da própria garagem, quando a permanência do veículo na rua torna-se impossível. O ponto alto do filme está justamente na contradição moral de Bennet, que mesmo a contragosto cede aos caprichos da verborrágica senhora sob uma falsa aura de amor fraternal. Bennet na verdade é um homem solitário e desconfortável consigo mesmo, que talvez enxergue na idosa um espelho espiritual e uma oportunidade de autoaceitação.

A Senhora da Van

Ao focar na relação humana Shepherd-Bennet-vizinhos, A Senhora da Van se afasta em absoluto do debate político-social e entra em uma seara igualmente perigosa, que é a da moral íntima de cada um. É muito interessante como Bennet avalia cada gesto seu como se entrevistasse um alter ego ácido. Um homem que quer apenas se desconectar de si mesmo, mas a todo momento é forçado a se reencontrar pela presença incômoda da velha mulher na garagem. O olhar da história está sobre o amor fraternal que une a dupla e também no auto-amor, que parece faltar a ambos por diferentes razões.

O filme repete a parceria do diretor Nicholas Hytner com o roteirista Alan Bennet. A dupla já havia trabalhado no primoroso As Loucuras do Rei George (1994), mais uma adaptação da obra do escritor inglês. Ambos retratam o incômodo e a desorientação causada pelo momento em que temos nossas estruturas abaladas, sejam elas morais, políticas, sociais ou meramente pessoais. As duas produções sobrepõem a sensibilidade dos personagens sobre os fatos em si, estes amenizados pela tradicional acidez do humor inglês. Aqui, no entanto, perde em ritmo, sendo mais lento e muito menos impactante que seu predecessor, que tinha mensagens críticas de questionamento moral muito mais contundentes. O filme atual nem de longe tem o impacto visual e a aspereza cômica que fizeram do anterior um dos grandes filmes do final do século passado.

A Senhora da Van

Por ser belo e interessante na essência de um roteiro de poucos acontecimentos, A Senhora da Van busca, com sucesso, toda sua força na dupla de protagonistas. Maggie Smith (da saga Harry Potter) e Alex Jennings (A Rainha, 2006) estão fenomenais em cena, como era de esperar, exprimindo com muita agudez  a complexidade de seus personagens através de olhares e sutis expressões faciais, que despertam no espectador as mais variadas sensações. O ingresso pago se torna um ótimo investimento apenas para vê-los em cena.

Infelizmente, a obra peca pelo pouco desenvolvimento do roteiro, que gira em torno das mesmas situações em uma espécie de loop emocional. A linearidade excessiva acaba se tornando muitas vezes monótona, dispersando a atenção de boa parte do público por muitos minutos. As tiradas cômicas são ineficazes na maior parte do tempo e a tentativa de se colocar um mistério policialesco no passado de Miss Shepherd, vislumbrado rapidamente pelo espectador na cena de abertura do filme, acabam soando deslocadas e tolas, pois indicam de cara – e com razão – que não levarão a lugar nenhum. A produção também tem problemas técnicos evidentes que levarão a questionamentos de muita gente, que talvez nem estejam procurando avaliar a projeção de uma forma mais crítica, como a falta de cuidado em retratar a passagem do tempo nas quase duas décadas em que a história se passa.

A Senhora da Van

Mesmo longe de ser brilhante, A Senhora da Van é uma daquelas obras que sempre deixam uma mensagem além da pretendida para quem se abre a novas ideias. Talvez um tanto chato para muita gente, ainda é preciso respeitar o talento do elenco e a sensibilidade de uma história que tem muito a ver com todos nós. O que escondemos ou o que nos incomoda, e que por isso atacamos ou aceitamos na busca por redenção. É um filme para se ver mais com o coração e menos com a razão, e nisso estão as maiores qualidades e defeitos do filme –e de tudo no mundo.

(Obs.: A estreia do filme foi reprogramada para 10 de março, mas não mudaram a informação no trailer)

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