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A Garota na Névoa – Sobre medo e vaidade!

Suspense italiano A Garota na Névoa mescla mistério e críticas à imprensa 

Como em todo bom suspense, nada é o que parece à primeira vista em A Garota da Névoa (La ragazza nella nebbia). O diretor Donato Carrisi usa essa artimanha como uma importante manobra em seu thriller mas, ironicamente, ela acaba surgindo onde não deve e o resultado pode não ser o esperado.

Crítica A Garota na Névoa

A Garota da Névoa é uma adaptação do best-seller italiano homônimo, escrito pelo próprio Donato Carrisi, que aqui faz sua estreia no cinema. Não contente com a direção, Carrisi também é o responsável pelo roteiro, cuja primeira versão foi escrita antes mesmo do lançamento do livro. Obras criadas com foco na telona não são nenhuma novidade. mas aqui temos um caso de livro e filme com relação simbiótica desde o nascimento, sendo difícil dizer o que é original e o que é adaptação.

Em uma aldeia isolada no meio das montanhas, no extremo norte da Itália, o desaparecimento de uma adolescente, filha de uma família religiosa, chama a atenção da mídia nacional e intriga a polícia local. O detetive Vogel (Toni Servillo, de A Grande Beleza), em descrédito após um suposto erro anterior, é chamado para investigar o caso e usa de métodos pouco ortodoxos para isso, o que coloca em dúvida sua capacidade para resolver o desaparecimento da jovem. A história tem uma premissa muito boa, com um mistério envolvente, personagens interessantes e uma ácida crítica ao trabalho da imprensa sensacionalista e até da própria polícia. No entanto,como dito, nada é o que parece.

Filme literário?

O longa começa com fortes influências literárias, apresentando um detetive que remete ao clássico Inspetor Maigret, do escritor belga George Simenon. O investigador sisudo chega para guiar a polícia com conselhos inteligentes e posições inesperadas. Ainda temos a agente policial que, não entende, mas aceita as diretrizes de Vogel, e o assistente racional e contrariado, que serve de escada para as deduções do chefe. Os diálogos são construídos como se tivessem sido retirados diretamente de um bom romance detetivesco.

Mas isso não vai muito longe. Em pouco tempo, percebemos que estamos diante de um detetive bem diferente daqueles de antigamente. Vogel comete erros e parece ter como principal objetivo apenas recuperar o prestígio perdido, alcançando fama e sucesso, nem que, para isso, tenha que colocar um inocente na cadeia. A vaidade é um tema permanente, se revelando, em vários personagens, acima do estoicismo da busca pela verdade ou do medo de um provável sequestrador na pequena cidade.

Crítica A Garota na Névoa

O que poderiam ser personagens complexos, acabam se mostrando figuras incompletas, mas não por falta de talento dos atores. Toni Servillo está ótimo como Vogel, sabendo fluir entre o cinismo, a insegurança e a arrogância com naturalidade. O detetive é o melhor personagem do filme, mas o roteiro, apesar de explorá-lo à exaustão, não consegue desenvolvê-lo adequadamente. Menos sorte ainda teve Alessio Boni no papel do ambíguo professor Loris Martini. Apesar da boa atuação, o ator parece desconfortável com os malabarismos do roteiro para justificar os acontecimentos que colocarão seu personagem no centro da investigação.

O verdadeiro inimigo

A imprensa tem papel fundamental no andamento da trama. Vogel a manipula sem nenhum pudor para ajudá-lo na solução do mistério e, principalmente, na sua promoção pessoal. Para o detetive, repórteres podem ser mais eficazes em uma investigação do que a própria polícia. Carrisi não esconde sua ojeriza aos jornalistas na trama. Eles são sempre retratados como egocêntricos, sensacionalistas, desonestos e ignorantes. O próprio protagonista justifica suas posturas questionáveis como consequência obrigatória do que a mídia faz dos casos em que se envolve e a culpa por seus erros.

Mas, o que poderia ser uma análise social consistente, passa longe de críticas inteligentes como Rede de Intrigas (1976), O Quarto Poder (1997) e O Abutre (2014), se mostrando um mero apetrecho espalhafatoso em uma história de mistério que seguiria melhor se priorizasse o aspecto psicológico dos personagens. O roteiro, infelizmente, desperdiça o que poderia ser um excelente trabalho sobre ganância, medo e vaidade. A produção tem boa direção de arte, bela fotografia, trilha sonora interessante e ótimas sacadas, como transformar a cidade em uma sombria maquete nas cenas de transição de tempo e espaço. Mas a trama esburacada pode deixar muita gente frustrada nos créditos finais.

Crítica A Garota na Névoa

Bons atores acabam sendo subaproveitados, como Lorenzo Richelmy, na pele do agente Borghi, ajudante de Vogel, que poderia ter um papel importante ao se contrapor ao calculismo frio de seu superior, mas acaba renegado como coadjuvante secundário já a partir do segundo ato do filme. Jean Reno (de A Promessa) faz uma participação especial como o psiquiatra para quem Vogel narra a história, mas sua presença na trama é tão desnecessária que parece que seu personagem foi criado apenas para aproveitar a presença do astro francês na produção.

A Garota na Névoa passa a impressão de ter sido retalhado na sala de edição. Apesar das mais de duas horas de projeção, é forte a sensação de incompletude. Soluções fáceis são usadas para problemas complexos e personagens importantes surgem e são descartados em seguida, tendo suas contribuições posteriores explicadas por terceiros. Talvez, ao tentar se aproximar do ritmo dos thrillers norte-americanos, Carrisi tenha se perdido no caminho entre a Europa e os Estados Unidos e não conseguiu se definir entre o tom mais lento que a história exige ou o mais dinâmico que o mercado internacional tanto gosta.

A Garota na Névoa funciona como entretenimento, mas incomoda sentir que ele poderia ter ido muito mais longe.

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