15h17 – Trem Para Paris é simplesmente desastroso
Clint Eastwood é uma das maiores lendas do cinema mundial. Figura icônica, sua filmografia dispensa comentários, com mais 70 filmes feitos nos últimos 60 anos. Desde o inicio dos anos 2000, focou na carreira de diretor, mostrando um cuidado com a narrativa e um estilo clássico de filmar. Nessa leva, trouxe filmes excelentes como Menina de Ouro, Sobre Meninos e Lobos, Jersey Boys e Sniper Americano, entre outros. Mas, após entregar uma obra menor com Sully, o veterano realmente tropeçou com o seu novo longa, 15h17 – Trem Para Paris (The 15:17 to Paris), que não justifica sua existência e já se apresenta como um dos piores do ano.
O longa retrata a tentativa real de atentado em um trem que foi de Amsterdã a Paris. Os soldados Spencer Stone e Alek Skarlatos, acompanhados pelo amigo, Anthony Sadler, estavam fazendo um tour pela Europa. Indo para a França no trem em questão, impediram que um terrorista do Estado Islâmico matasse todos os passageiros, munido de uma AK-47 e vários cartuchos para a munição em sua mochila.
Bom… Essa é a sinopse. Você devem ter achado estranho que os nomes dos atores não foram citados, certo? Simples. Os próprios participantes do caso real interpretam a si mesmos!!! É uma ideia de jerico em dois pontos fundamentais:
1) Por serem os próprios, claro que vão se retratar como heróis de moral inquestionável. Com eles ali, como os realizadores vão fazer as devidas adaptações cinematográficas que agregam à narrativa? Pois é.
2) Não são atores profissionais, portanto não conseguem entregar alguma emoção. E não dá para criticar suas atuações por conta desse detalhe. O que serviu para o marketing do filme se torna seu calcanhar de Aquiles. Não que as próprias pessoas não possam participar de filmes baseados em fatos, mas é necessária uma justificativa.
Exemplo: em dois filmes do diretor Milos Forman, O Povo Contra Larry Flint, de 1996, e O Mundo de Andy , de 1999, apareceram personagens reais das histórias representadas, mas usadas como participação especial. No primeiro, o próprio Flint aparece como o juiz que sentenciou o protagonista. No segundo, uma aparição rápida de Bob Zmuda, o antigo parceiro de Andy Kaufman (O biografado), participando de uma das pegadinhas de Kaufman. No mesmo filme, o astro da Luta-Livre Jerry Lawler interpretou a si mesmo. Em 15h17 – Trem Para Paris não há nenhum motivo para os protagonistas sejam feitos pelos próprios envolvidos e isso piora demais o filme.
Aliás, o que dizer do péssimo roteiro de Dorothy Blyskal? Baseado no livro feito pelo trio, é um texto que parece um exercício de aluno do primeiro ano na faculdade. Os protagonistas não são apenas desinteressantes, mas mostrados como bobos. Se Spencer é um desastrado que nunca teve foco na vida, até ver os militares (pff!!), Alek é um soldado que consegue a façanha de esquecer sua mochila em uma aldeia no Afeganistão, enquanto Anthony…. Bom, esse não serve pra nada, só para ser o terceiro membro que aparenta ser o narrador no começo.
Além disso, durante os 94 minutos, não há um conflito de verdade. Não há questionamentos, brigas, relacionamentos… Nada. Só vemos os protagonistas durante o seu chato treinamento e seu tour pela Europa, que se resume em ver o trio bebendo, tirando selfies e vendo mulheres bonitas. Além do péssimo nível dos diálogos, ao ponto de serem hilários. Já há um momento constrangedor no início, quando são expulsos de um colégio católico e o diretor diz às suas mães que consultou Deus para tomar a decisão. É de questionar como um diretor com o respeito de Clint Eastwood leu isso e topou. Parece que foi pela propaganda republicana, já que o texto tenta vender ao espectador que eles, aos 12 anos, já queriam salvar pessoas lutando em uma guerra.
Direção sem rumo!
Mas quando se tem um nome como Eastwood, que tem um cuidado técnico e um inegável controle narrativo, espera-se que ele possa salvar um desastre desses. Infelizmente, não é o que ocorre. Se em Sully o diretor tirou leite de pedra, fazendo um filme interessante com um roteiro fraco, não tem a mesma sorte em 15h17 – Trem Para Paris. Além da limitação do trio de protagonistas, o diretor parece ficar na dúvida sobre como contar essa história.
Em alguns momentos vemos o classicismo e a elegância de Eastwood, mas só no começo. No resto, é uma imagem tremida cujo objetivo parece ser emular um documentário, usando a câmera na mão e luz natural. Nem o competente diretor de fotografia Tom Stern, consegue criar um visual minimamente interessante, mesmo com planos bonitos. Narrativamente, ele se mostra muito estranho, intercalando o passado dos protagonistas e o começo do atentado no trem.
E o que dizer da sequência do atentado, o clímax do filme? É involuntariamente hilária. Além do uso dos clichês, como a música cruel para mostrar o terrorista, a coreografia para o ato heroico que vende o filme parece uma cena saída diretamente de Os Três Patetas. Vai desde o terrorista tentando atirar com as armas travadas ou descarregadas, até coisas meramente ridículas. O soldado que treinou jiu-jitsu errando golpes básicos e o outro tentando acertar o terrorista e acertando o colega que luta com o vilão. Antes que perguntem, o terceiro só fica olhando o embate de seus corajosos e estúpidos amigos. Como são os típicos heróis americanos, um deles ensina primeiros-socorros a um paramédico. É de uma imbecilidade que nos faz questionar a sanidade do cineasta.
Parece cedo para afirmar, mas 15h17 – Trem Para Paris estará, facilmente, entre os piores de 2018 quando o ano terminar. É inacreditável o nome de Clint Eastwood vinculado a isso (ainda estou tentando assimilar…). Tudo bem que, com uma carreira longa e trabalhando nesse ritmo, um erro ou outro é perfeitamente perdoável.
Mas esse erro foi (bem) feio.