Wong Kar-Wai é considerado um dos cineastas mais importantes de Hong Kong
Um dos cineastas que mais chamou a atenção nos anos 90 foi o chinês Wong Kar-Wai. Diferente de seus contemporâneos de Hong Kong, como John Woo, Ringo Lam e Tsui Hark, ele não se dedicou ao cinema de ação e optou por criar obras mais autorais e sensíveis.
Kar-Wai é, acima de tudo, um esteta. Seu trabalho de composição de quadros é deslumbrante. Mas seu objetivo vai além da beleza do plano, mesmo que esta, às vezes, importe mais que a própria trama. Este pode ser um dos empecilhos para quem está tendo o primeiro contato com as obras do diretor. Todo o processo de mise-en-scène de Kar-Wai tem por objetivo representar o psicológico de seus personagens, que são, quase sempre, tristes e solitários.
Na maioria dos takes criados pelo chinês, os atores estão nas extremidades dos quadros ou apresentam excesso de teto. De acordo com os quadrantes de Kandinsky – teoria obrigatória para compreender composição de quadros – essa escolha apresenta os personagens em queda, já que estão na parte de baixo do quadro e usando as extremidades. O que faz sentido, já que suas histórias sempre envolvem indivíduos que buscam um sentido na vida.
Outro ponto que merece atenção é o uso simbólico das cores, comum também na obra de outros diretores importantes, como Stanley Kubrick. Não se pode considerar um trabalho sutil, já que Kar-Wai opta por cores bastante saturadas e que por si só já dizem muito. O vermelho melancólico que permeia o maravilhoso Amor à Flor da Pele, o amarelo mostrando a descoberta de um sentimento em Felizes Juntos, o verde ressaltando a solidão em Amores Expressos. E ainda tem o azul simbolizando a tristeza em 2046.
Parceiros visuais
Não seria justo falar do visual único e estilizado de Kar-Wai sem citar os seus parceiros mais importantes: o diretor de arte e montador William Chang, cujos cenários e figurinos são muito importantes para retratar as sensações dos personagens, e o excepcional diretor de fotografia Christopher Doyle. Ele só não assina a fotografia de todos os filmes de Kar-Wai por conta do método utilizado pelo diretor, que filma sem roteiro prévio, baseando-se apenas nas locações.
De acordo com Doyle, no tempo em que Kar-Wai faz um filme, ele realiza, pelo menos, quatro longas. Ambos trabalharam juntos em oito produções, todas realizadas durante a fase de ascensão de Kar-Wai. Doyle pode ser considerado um dos responsáveis pela criação do estilo forte de do cineasta. Por mais que ele tenha uma assinatura, o diretor de fotografia consegue deixá-la mais poderosa.
Mas como fazem isso? Formalismo misturado com muito experimentalismo. A dupla já filmou em vários formatos, muitas vezes com a câmera trêmula. Gostam de usar a própria iluminação típica da noite de Hong Kong, com muito led e néon. Dá vontade de emoldurar qualquer take de qualquer um dos seus filmes.
Personagens perdidos em tempos líquidos
Outro ponto importante da obra de Wong Kar-Wai são os temas que ele escolhe abordar. Como já foi dito neste texto, seus personagens são solitários e perdidos em meio a uma Hong Kong frenética e consumista. O que nos remete ao sociólogo e filósofo sueco Zygmun Bauman e a sua ideia de que vivemos tempos líquidos, onde nada é feito para durar. A velocidade do cotidiano se reflete na forma como lidamos com as nossas relações.
Isso pode ser percebido no belíssimo Anjos Caídos, onde o diretor apresenta três personagens excluídos da sociedade: um assassino de aluguel, uma golpista e um jovem mudo de comportamento excêntrico. Nenhum deles se importa com o futuro ou com a construção de qualquer tipo de relação. É interessante pensar que o diretor abordou o assunto em 1994, bem antes da internet e das redes sociais.
O tempo é mais um ponto para compreender os personagens de Kar-Wai. Em Felizes Juntos, o diretor mostra um casal homossexual, interpretados pelos excelentes Tony Leung e Leslie Cheung, questionando por quanto tempo ainda ficarão juntos e se vale a pena investir em uma relação desgastada. Em Amor à Flor da Pele, considerada a obra-prima do diretor, temos uma relação que não se concretiza por conta do medo dos amantes diante de uma sociedade conservadora. Todo o amor e o desejo são mostrados por meio dos olhares de Maggie Cheung e Tony Leung. É um filme que até hoje rende discussões.
Aliás, a questão da comunicação é outro interesse de Kar-Wai. Seus personagens raramente se abrem uns com os outros. A proximidade da plateia se dá pelo uso da narração em off, utilizada em momentos específicos para esclarecer os sentimentos dos protagonistas. Diferente do que ocorre em outros filmes que também utilizam este recurso, a narrativa não se torna preguiçosa por conta destas cenas explicativas.
Wong Kar-Wai é um dos autores mais interessantes dos últimos tempos. Seus filmes são reconhecíveis e mostram um cinema romântico que pretende fazer mais do que contar uma história, sem esquecer do apuro estético. Ficamos na espera do próximo lançamento deste grande mestre chinês.