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Persona – Profundidade e Elegância Estética!

Persona ainda permanece como um exercício cinematográfico perfeitamente equilibrado

Em um de meus diários devaneios superficiais, concluí pessoalmente que se pode dividir o deleite cinéfilo em duas partes: os filmes aprofundados em seus temas e aqueles mais preocupados com a estética. Isso não significa, claro, que não há quem goste dos dois. Entretanto, todos temos algum amigo fã de David Lynch e que não se interessa em Tarantino; ou um que admire Hitchcock e pouco se importe com os filmes de Elia Kazan.
Na linha tênue entre as duas partes, encontra-se Persona, dirigido por Ingmar Bergman. Poucas vezes – para não dizer nunca – assisti um filme que se equilibrasse tão bem entre profundidade e estética. E o que torna Persona ainda mais marcante é que, tanto em um como em outro ponto, o filme é impecável!

persona bergman

Pôster da época de lançamento de Persona.

Profundidade

Antes de tudo, é preciso falar do título. Não o horrível escolhido quando o longa estreou no Brasil – e que felizmente é renegado (poucas pessoas realmente chamam o filme de “Quando Duas Mulheres Pecam”) –, mas o precisamente escolhido por Bergman. Na psicologia analítica de Carl Jung, Persona é a face social que o indivíduo apresenta ao mundo, “uma espécie de máscara projetada, por um lado, para fazer uma impressão definitiva sobre os outros, e por outro, dissimular a verdadeira natureza do indivíduo“. E é sob esta máscara que Bergman constrói, usando de todos os artifícios fílmicos à sua disposição, Elisabeth Vogler (Liv Ullman) e Irmã Alma (Bibi Anderson). Nenhuma das duas termina a projeção sendo quem aparentavam no início.

Elisabeth sugere, nos primeiros minutos, uma certa fraqueza, como se alguma profunda dor a fizesse se calar. Com o decorrer do filme, vemos a revelação de uma personagem forte, manipuladora, calculista, obscura – e isso é indicado magistralmente na cena em que, após conversar com Alma, ela se deita imóvel e a iluminação da cena vai mudando. Seu rosto, que diante de Alma era iluminado e belo, agora nos revelava sua obscuridade. A máscara foi retirada para dormir.

Irmã Alma, por outro lado, não deixa de ser uma personagem diferente e interessante. Inicialmente construída sob a máscara de uma enfermeira bondosa e gentil, esforçada a ponto de falar sobre sua vida para criar um ambiente agradável com a paciente, nos deixa claro, com o decorrer, que falar sobre si mesma não era bem por bondade, mas uma compulsão irrefreável. Na metade da projeção, Alma revela um interior violento e vingativo ao descobrir que Elisabeth revelava seus segredos íntimos para outra pessoa em cartas.

E é interessante notar como, mais uma vez, Bergman dá indícios desse interior, quando Alma ouve sua chefe descrever o estado de Elisabeth no primeiro ato e um movimento de câmera nos revela a mão da enfermeira se contorcer de ansiedade; ou quando a personagem, antes de dormir, quebra a quarta parede e nos conta que se casará e terá filhos. Nem mesmo nós estamos livres de sua compulsão.

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A sutileza na construção da imagens demonstra a visão única do diretor.

Elegância Estética

Falar de Persona e não falar do trabalho de montagem feito por Ulla Ryghe – e, claro, com o dedo de Bergman – é um pecado. Não só por seu prólogo brilhante e enigmático, mas por todo um trabalho bem construído no longa. Nos primeiros minutos, somos apresentados ao conceito que Dzyga Vertov e seus companheiros russos trouxeram ao mundo cinematográfico: junte imagem A com imagem B e produzirá uma ideia C.

É claro que não serei pretensioso a ponto de dar um significado definitivo à esta sequência, mas pode-se dizer que fragmentos de um pênis ereto, uma personagem de desenho animado que parece se banhar – mas que vista de cabeça para baixo, revela um teor sexual -, o sacrifício de um carneiro e, depois, de Jesus, resumem bem todos os pontos nos quais a obra almeja tocar – e toca.

A escolha por planos mais longos em closes nos mostram um domínio do diretor não só na direção de seus atores, mas na história propriamente contada. Não faria sentido, em determinados momentos, cortar para o contra-plano, quando o importante na sequência é a reação de apenas uma das personagens ao diálogo. E ainda mais genial do que isso é repetir um monólogo (com os mesmos cortes, nos mesmos pontos) através de dois pontos de vista diferentes, como feito no monólogo de Alma, revelando que, ali, as duas formavam uma só.

Com um impecável trabalho de mise-en-scène, Bergman monta um cenário o mais simples possível. Na maioria das sequências, são poucos os objetos vistos. Diante de nós, apenas o vazio das paredes lisas e o foco principal: as personagens. Pode-se dizer que tal vazio signifique metaforicamente o interior das personagens (blá, blá). Entretanto, prefiro dizer que Bergman apenas foi preciso em direcionar os olhos do espectador. Ele não quer que você, nem por um segundo, se distraia com um quadro pendurado ou objetos sobre um armário. E é exatamente por isso que Persona é hipnotizante. O cineasta não nos dá outra opção, a não ser acompanhar estas personagens e seus conflitos por uma hora e meia.

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O diretor Ingmar Bergman.

Sem esta escolha seriam pouco prováveis os movimentos de câmera que mais me atraem nesta obra.
Como citei acima ao falar da profundidade de Alma, Bergman direciona nosso olhar para a mão da enfermeira ao ouvir sobre o estado de Elisabeth. De 100 cineastas atuais, estou certo de que 98 fariam um plano de Alma de costas e cortariam para um plano-detalhe de suas mãos. Mas não Bergman! O diretor é categórico ao movimentar bruscamente a câmera em direção ao objetivo. Não basta que você veja o que ele quer. O interessante aqui é lhe mostrar que ele está lhe revelando aquilo intencionalmente. Ele basicamente diz: “Preste muita atenção nisso… logo você vai entender porque eu estou lhe mostrando”.

Ingmar Bergman é um cineasta tão conhecido por seus temas complexos, que muitos – como eu – sentem medo de se iniciar em sua filmografia. Fato é que sou grato por ter experimentado, de primeira, um filme que se equilibra magistralmente entre o objetivo e o abstrato, a crueza e a sutileza, o profundo e o superficial. Com Persona, o sueco refez, em minha cabeça, a ideia do que realmente é fazer cinema. Cinema é falar verdades e mentir, mostrar e esconder… é ser profundo e, ao mesmo tempo, elegante. Viva Bergman!


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