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Paul Verhoeven e seu Cinema polêmico!

Paul Verhoeven e os filmes que hoje nem seriam produzidos

Em tempos em que tudo se tornou politicamente correto (muitas vezes para o bem, como os vários esforços atuais pela igualdade), o holandês Paul Verhoeven não conseguiria fazer os filmes que o tornaram famoso. Não por serem ruins, pelo contrário, mas o cineasta não tem medo de utilizar o sexo e a violência gráfica em suas obras. Nunca de maneira gratuita, é bom lembrar, buscando o choque pelo choque, mas trazendo essas situações de modo a construir um universo coerente para seus personagens.

Este texto não pretende avaliar a obra de Verhoeven, mas comentar estas características específicas, mostrando que existe coesão conceitual em sua obra. Também provando que é um engano dizer que o diretor é um sádico tarado e misógino, já que ele deixa todo julgamento para o espectador.

O Cinema polêmico de Paul Verhoeven

Violência: Inerente ao ser humano e à sociedade

A violência mostrada nos longas de Paul Verhoeven não é estilizada como nos filmes de Quentin Tarantino. O público realmente sente os tiros e o diretor mostra o resultado de uma bala atingindo um corpo, lembrando os filmes de Sam Peckinpah (confira o vídeo sobre Meu Ódio Será Sua Herança). Isso seria alguma forma de saciar alguma perversão de certos espectadores? Não. A violência segue baseada na natureza dos personagens e da sociedade em questão.

Exemplo: Em Robocop (também tema de um FormigaCast), a cena em que o corpo de Alex Murphy (Peter Weller) é destruído pelos bandidos, vemos as balas destroçando o policial. A coisa torna-se mais chocante e incômoda por contar apenas com som diegético, então escutamos os tiros, as risadas dos assassinos e os gritos de Murphy. Uma cena que hoje seria vista como puro sadismo, mas faz sentido dentro do contexto. Violenta e incômoda, comunica muito sobre aquele universo. Um pequeno trecho que diz o quanto a figura do policial está destruída, mostrando a perda do fator que caracteriza Murphy como humano, o corpo. Por fim, e mais óbvio, a banalização da violência naquela sociedade. Por isso, todas as cenas violentas do filme estão de acordo com sua proposta.

É normal que essa violência diga algo sobre os personagens também. Nos filmes de Paul Verhoeven, os participantes da trama são sempre ambíguos. No recente Elle, quando a personagem de Isabelle Huppert revive o caso de estupro em sua memória, ela se imagina esmagando a cabeça de seu agressor. Isso não se deve apenas pelo fato dela ter sido estuprada, o que justifica a raiva, mas todo o background da personagem deixa claro que há crueldade escondida naquela mulher fria, a protagonista do filme.

A galeria de tipos que o diretor já nos apresentou ao longo da carreira é repleta de atitudes reprováveis. Seja a protagonista de Elle, o escritor de O Quarto Homem ou o detetive de Instinto Selvagem, esses personagens são como um recado direto de Verhoeven: “Esses são os meus protagonistas. Vou contar as histórias deles e, se você tiver algum problema com isso, tem a ver com a sua moralidade”.  

O Cinema polêmico de Paul Verhoeven

Tropas Estelares (1997) serviu como um aviso…

Tratar a violência como parte do cotidiano, em um tom ácido e crítico, é outro ponto importante. Isso se torna claro em um dos seus trabalhos mais injustiçados, o ótimo Tropas Estelares. Ingenuamente tachado de fascista, o diretor simplesmente critica exatamente aquilo que o acusaram de exaltar. Usando propositalmente atores terrivelmente ruins, ele deixa claro como é patético que pessoas que aceitem tudo que o governo impõe. Neste caso, a violência extrema não está apenas como parte cotidiano, mas como afirmação de força. Só lembrarmos da cena do treinamento em que o sargento interpretado por Clancy Brown quebra o braço de um recruta para mostrar seu poder.

Outra cena que deixa clara essa proposta é quando uma das várias propagandas fascistas mostra soldados dando armas para crianças, como se fossem símbolos de poder e tornando-as “pessoas de bem”. Só até aqui, já deu para perceber que a violência na filmografia de Verhoeven é bem mais do que aparenta ser.

Sexo: Corpo acima do gênero

Com certeza, existe um elemento que causa ainda mais polêmica nos filmes de Verhoeven: nudez e sexo. Assim como a violência, o sexo ali tem uma proposta clara, sendo a principal seu uso como arma. Essa arma pode ser vista tanto no desejo sexual como no ato em si. Em O Quarto Homem, é mostrado na obsessão do protagonista, que se torna um delírio, ao ponto dele ver seu objeto de desejo na estátua de Cristo e quase fazer sexo oral na escultura (Sim, é mais chocante do que aparenta.).

Isso pode ser visto de maneira mais clara em Instinto Selvagem, um dos longas mais provocadores do diretor, onde vemos um jogo de manipulação a partir da luxúria. A personagem de Sharon Stone usa a sua sensualidade para manipular todas as pessoas ao seu redor e o protagonista vivido por Michael Douglas entra nesse jogo, tentando resolver o mistério do filme. A famosa cena da cruzada de pernas de Stone funciona perfeitamente para ilustrar todo o jogo dado pelo filme: ao mostrar sua vagina neste movimento, o diretor corta para a reação dos homens que viram, mostrando como o instinto animal (ou selvagem) ainda predomina no ser humano. Em Elle, o sexo pode ser visto como um elemento completamente doentio, a partir de um relacionamento muito cruel.

O Cinema polêmico de Paul Verhoeven

Instinto Selvagem (1992) e o momento mais famoso de Sharon Stone.

Se o ato do sexo pode ser visto como um perigo, o diretor trata a nudez, tanto masculina quanto feminina, como algo natural no universo de seus personagens. Na verdade, no cinema de Verhoeven não há distinção entre homens e mulheres. A visão da igualdade pode ser conferida em Tropas Estelares e RoboCop, onde vestiários e alojamentos são mistos. Além disso, as mulheres dos filmes do cineasta estão longe de serem frágeis. Nesta filmografia, o corpo feminino desnudo pode ser visto como uma crítica a sociedade que condena a nudez até hoje.

Em Sem Controle, um dos personagens do trio de protagonistas se descobre homossexual, culminando em uma cena explicita de sexo quando encontra outro rapaz. Enquanto isso, a moça do filme namora com os três, a fim de encontrar o partido “certo” que a tiraria da vida pobre como vendedora de salgados. Ao invés do diretor simplesmente julgar os seus personagens como imorais, ele apenas deixa claro que eles são assim e se expressam dessa maneira. Como já foi dito, se há um problema com os personagens, vem geralmente da moralidade do espectador.

Nesse ponto, o filme mais atacado do diretor é Showgirls, destruído na época do lançamento, ao ponto de quase acabar com a carreira da atriz Elisabeth Berkley. Paul Verhoeven também ganhou o Framboesa de Ouro de Pior Filme e Pior Diretor. Particularmente, considero este um dos mais incompreendidos e subestimados da História. É um longa que mostra a terrível realidade do mundo do showbusiness de Las Vegas (servindo como alusão direta a Hollywood).

Protagonizado por uma personagem ambiciosa e disposta a tudo pelo sucesso, o “tudo” é realmente no sentido literal da palavra. Desde humilhação de colegas a sexo com agentes famosos para conseguir o seu objetivo, como a hilária cena na fonte com Kyle MacLachlan, em que se percebe que não há desejo no sexo, mas ganância. Verhoeven filma o sexo com o mesmo estilo brega de Las Vegas, com várias luzes de neon.

O lado triste é que o mundo retratado no filme é bem próximo do real, já que muitas dessas dançarinas realmente não tem talento, conseguindo algum espaço por conta da beleza. Em contrapartida, submetem-se aos jogos de pervertidos com algum poder. Não há toa, todos os homens de Showgirls são completos canalhas, que enxergam as mulheres como meros objetos sexuais. Inclusive, essa é uma das primeiras falas de um dos coreógrafos que a protagonista encontra.

O Cinema polêmico de Paul Verhoeven

Showgirls (1995), um filme incompreendido!

Mas, dito isso, é um filme misógino e machista? Não, longe disso. Por mais que a protagonista tenha um caráter duvidoso, ela tem uma personalidade muito forte e não cai facilmente na conversa de qualquer homem. Começa a vender seu corpo no momento em que o sucesso lhe sobe à cabeça. Porém, quando o seu orgulho feminino é atacado, ela se defende. Não à toa, espanca o cantor que estupra sua melhor amiga e cospe na cara do empresário que diz que ela deve ficar calada e aceitar a regra do jogo. É um filme que merece ser redescoberto.

O próximo trabalho de Paul Verhoeven é Blessed Virgin, que mostrará uma freira do século XVII que tem um caso com outra mulher. Pelo tema, sabemos que vai causar barulho. Como já ficou evidente, não será apenas para chamar atenção, então podemos  esperar muita provocação moral e social. 

O Cinema precisa de mais diretores com a ousadia de Paul Verhoeven, alguém que merece atenção pelos temas que escolhe e pela coragem na forma de apresentá-los.

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