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Kaiju atacando Tóquio! – Uma breve introdução aos monstros gigantes!

Kaiju são parte do imaginário popular contemporâneo – conheça um pouco da sua história

Essa semana estreia Colossal, de Nacho Vigalondo, que conta a estranha relação de uma mulher com um kaiju. O filme tenta explorar o significado desses monstros gigantes da cultura pop dentro de um escopo mais conceitual. Algo que é absolutamente aceitável, já que o próprio Godzilla, considerado o primeiro do gênero, é ele próprio uma grande metáfora para algumas coisas. Mas afinal, por que esses monstros devastadores e desengonçados capturam nossa imaginação?

Tal qual um kaiju devastando a pobre Tóquio, vamos por partes. Primeiro – o que é um kaiju?

A palavra se traduz, literalmente, por “besta estranha”. Pode ser tanto uma criatura de ficção científica como de fantasia; pode ser tanto um protagonista, quanto um antagonista ou simplesmente uma força da natureza. A dificuldade em se classificar o gênero de forma mais específica se dá principalmente pelo fato de que não existem descrições tradicionais desse tipo de coisa na cultura japonesa. Foi somente com o próprio Godzilla de Ishiro Honda, em 1954, que se pode dizer que monstros gigantes se tornaram objeto de interesse da cultura pop local.

Como tudo na existência dos japoneses após 1945, isso se deve principalmente ao encerramento da Segunda Guerra, e a influência americana posterior. Não é preciso ser um grande estudioso para saber que existem dois Japão: um pré e um pós-guerra. E foi exatamente por influência do estilo hollywoodiano de cinema que os japoneses desenvolveram e expandiram ainda mais um subgênero do cinema japonês – o tokusatsu, o gênero japonês dos efeitos especiais. Daí para os kaiju eiga, os filmes de monstros gigantes, foi um passo.

Incidentalmente, sobre essa relação entre americanos, japoneses e monstros, existe uma curiosidade que aproxima ainda mais esses mundos – embora, como dito, Godzilla seja considerado o primeiro kaiju, ele não foi de fato o primeiro kaiju no cinema, e nem o primeiro kaiju a assolar o Japão. Esse mérito vai para King Kong, que estreou nas telonas em 33, e se tornou tão popular na terra do Sol Nascente que ganhou uma versão local – mas não absolutamente legal – em 38 chamada Edo ni Arawareta Kingu Kongu, ou King Kong Aparece em Edo. O filme é tão bom que hoje é considerado perdido. Mas essa é outra história.

kaiju

Sim, isso existiu.

Existem dúzias de tipos de kaiju, variando em tamanho, forma e inspiração, mas, além do próprio Rei dos Monstros, alguns outros nomes se destacam, como Mothra, Rodan, King Ghidorah, Daimajin, Gamera, Daigoro, entre outros. Existem até mesmo algumas menções surreais nessa lista, como ninguém menos do que o monstro de Frankenstein – porque nada é sagrado para os japoneses. O amigo leitor pode eventualmente encontrar a subcategoria Daikaiju, mas ela não é tão diferente, equivalendo a monstros que são apenas muito maiores; o prefixo dai em japonês indica algo maior do que a categoria anterior.

Fato é que, vendo o sucesso de filmes como King Kong, e o clássico dos Rays Bradbury e Harryhausen O Monstro do Mar, de 1953, o produtor da Toho Studios em Tóquio, Tomoyuki Tanaka, viu uma oportunidade única e ainda inexplorada em território nipônico. Sendo ele próprio um fã desses filmes, e confiante na resposta do público nipônico aos filmes fantásticos, Tanaka decidiu que iria investir no gênero, e passou a buscar inspiração para sua monstruosa criação.

Infelizmente, sua inspiração viria de fontes consideravelmente trágicas.

Filhos do átomo

Em Março de 54, um barco de pesca de atum, o Daigo Fukuryu Maru, foi pego no raio de explosão de um teste termonuclear americano perto do atol de Bikini. A tragédia com os pescadores reabriu feridas ainda mal cicatrizadas dos ataques nucleares em Hiroshima e Nagasaki, em 45, e lembrou ao mundo sobre o real perigo que as armas nucleares representam. Com uma equipe formada pelo lendário Eiji Tsubaraya, dirigido por Ishiro Honda e estrelado pelo colosso do cinema japonês, Takashi Shimura, no mesmo ano, 1954, o mundo conheceu – e adorou – Godzilla.

A última versão saiu em 2014, pelas mãos do diretor Gareth Edwards, comemorando os 60 anos do filme original. Incidentalmente, embora o timing não tenha sido o mesmo, é inevitável relacionar a destruição de escala absurda provocada pelo monstro e seus adversários no filme ao desastre da usina nuclear de Fukushima, e a também inevitável tensão causada pela possibilidade de um desastre ainda maior no período.

Apesar do trágico contexto, é interessante pensar no que esses monstros realmente significam, dentro do escopo inicial dos kaiju eiga. A ideia de que Godzilla e similares representam apenas o horror atômico pode ser uma redução do seu potencial significado – significado esse que Colossal de Vigalondo tenta explorar.

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A imensa versão de 2014 de Gareth Edwards!

O próprio Godzilla, inicialmente, não está totalmente relacionado a ameaça nuclear. Esse papel caberia muitos mais a outros clássicos do gênero, como Mothra, uma mariposa colossal, ou Rodan, um dinossauro mutante. É claro que o fato de ser uma praga imensa oriunda do uso indiscriminado de tecnologia nuclear assolando cidades inteiras pode ser facilmente visto como uma arábola da era nuclear ou mesmo uma alegoria anti-bélica.

Mas o fato é que, pela sua trajetória, os kaiju representam também muito da relação de submissão e respeito que os japoneses têm em relação a natureza – principalmente, a sua ira; da arrogância humana e das forças imutáveis do universo, mais até do que somente a ideia da ciência se tornando rebelde.

No que toca às cenas apocalípticas de filmes assim, elas são mais fáceis de serem relacionadas a causas pré-existentes a guerra – principalmente em um Japão que conhece como ninguém furacões e terremotos, muito mais presentes e assustadores no cotidiano da maior parte das gerações do Japão, do que o que representou a pontual ameaça nuclear ao povo nipônico.

Uma história de resistência

Da primeira pegada humana nas ilhas japonesas a milhares de anos, os primeiros colonizadores do lugar devem ter sentido que ele estavam se metendo com uma terra pouco amigável. O Japão fica localizado em uma confluência de três placas tectônicas, constituindo o mais ativo fragmento vulcânico da nossa crosta planetária – o que, para quem não fugiu das aulas de ciência do colégio, significa só uma coisa: terremotos e maremotos mais frequentes do que as suas notas vermelhas.

O problema é tão sério que alguns especialistas já apontaram que, eventualmente a região de Tóquio sofrerá um terremoto de proporções épicas. O que não permanece muito na memória dos japoneses, já que eles têm que lidar com tremores violentos mesmo assim todos os anos. Espero que esse breve quadro tenha ajudado o amigo leitor a entender como o japonês se comporta em relação a natureza.

Embora tenhamos dito, lá em cima, que não existem referências específicas a kaiju na história e folclore japoneses, eles são semelhantes aos “filhos da ‘mãe do Japão’”, oriundos dos mitos de criação do país. Consumida pelo fogo quando deu à luz aos seus filhos Kagutsuchi (a encarnação do fogo) e Homusubi (o causador do fogo), ela veio a compreender as terras vulcânicas deste irascível e constantemente mutável arquipélago.

Dessa forma, Godzilla pode melhor ser comparado a uma personificação mítica dessas forças destrutivas: os terremotos, os tsunami e os furacões que regularmente assolaram a ilha através dos séculos. Ele é um amálgama que lembra um dinossauro ou um dragão, algo mítico; não um ser humano ou uma criatura com sentimentos reconhecíveis como Kink Kong. Assim, existe aqui uma fagulha do divino, uma “deidade” encarnada em Godzilla – consequentemente, em todos os kaiju: ele é poderoso, ele é indiferente, podendo significar tanto a vida quanto a morte.

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Mais do que filmes de baixa produção, uma analogia sobre as forças da natureza.

Portanto, onde as audiências ocidentais às vezes veem filmes de destruição B, sem muitas pretensões, alguém mais antenado as origens conceituais dos kaiju pode encontrar algo a mais. Os japoneses se conectam melhor a esses temas de sacrifício e redenção que os monstros trazem, vendo a besta como uma criatura natural, até demasiadamente humana – e não como “um outro”, uma alteridade que quase inexiste do ponto de vista ocidental.

O próprio Ishiro Honda disse, certa vez, que “monstros são criaturas trágicas. Eles nascem grandes demais, fortes demais, pesados demais. Eles não são maus por escolha. Essa é a sua sina. Eles não atacam pessoas porque eles querem, mas por causa de seu tamanho e força, a humanidade não tem escolha, senão defender-se deles. Após muitas histórias como essas, é impossível não se apiedar deles.”

Kaiju ainda são uma metáfora atual

O poder dessa metáfora permanece firme e forte –  o que talvez seja um dos motivos pelos quais o gênero permaneça sempre na superfície da cultura pop japonesa. Enquanto o ciclo de filmes de monstros americanos tem picos, como O Enigma de Outro Mundo em uma época e CloverfieldO Monstro em outro, com longos hiatos entre eles, os kaiju parecem encontram novas maneiras de se reinventar, principalmente para as novas audiências – um forte argumento contra àquele que usa a ameaça nuclear como principal fundamento dos monstros, já que essas gerações sequer viram a guerra.

Curiosamente, sob a tutela do prório Ishiro Honda, mesmo Godzilla já havia se reinventado, lutando contra inimigos como a ganância de imensas corporações e outras tolices humanas – até mesmo, monstros nascidos da poluição, como em Godzilla vs. Hedora, de 1971. Tornado um ícone da cultura pop, Godzilla aos poucos se tornou até mesmo um herói – em 2015, recebeu o título de cidadão honorário do país, para a imensa felicidade de nisseis e sanseis esperando a décadas na fila por um.

Por que kaijus capturam nossa imaginação? Porque desde que o mundo é mundo, seres humanos são tomados de assombro e humildade quando enfrentam e são lembrados de forças da natureza que não conseguem controlar. Nós construímos super-computadores, estradas tecnológicas e curamos milhares de doenças. Mas somos incapazes de impedir um terremoto, um furacão. Ou um kaiju.

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Colossal oferece uma nova visão sobre os kaiju!

Em Colossal, como muito bem apontado na crítica por Daniel Fontana, a ideia de que nossa existência pode ser análoga a destruição causada por um kaiju é bastante apropriada, na medida em que nós mesmos somos uma força da natureza – temos muito pouco controle real sobre as nossas vidas, e quando tentamos exercer esse controle, normalmente causamos mais problemas do que encontramos soluções.

Pode existir uma metáfora melhor sobre a relação entre homem e natureza? Se o amigo leitor não consegue compreender isso, bem… Talvez você seja o monstro!

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