O Bebê de Rosemary, meio século depois
Pode não ser o melhor trabalho do Polanski ou nem ser tão especial para você, mas O Bebê de Rosemary é um daqueles filmes que marcam época e atravessam o tempo. Talvez pela qualidade cinematográfica, pelo seu conteúdo, pela ocasião de seu lançamento ou até mesmo pelo “extra campo”. O tudo isso junto, quem sabe.
(Confira também este interessante vídeo de bastidores de O Bebê de Rosemary)
O motivo deste artigo é que a história do bebê maldito mais famoso do cinema chegou naquele número redondo e de impacto que todo mundo adora. Sim, o cultuado O Bebê de Rosemary, cujo diretor é hoje tão polêmico quanto o filme, chegou aos seus 50 anos de existência. Meio século de vida, meus amigos! E continua firme e forte!
Considerado por muitos cinéfilos como parte da chamada Trilogia do Apartamento do diretor – ao lado de Repulsa ao Sexo e O Inquilino – o longa é, sem dúvida, o mais marcante e talvez o carro-chefe do diretor em relação à popularidade.
Essa trilogia tem razão de ser por algumas conexões. Protagonistas supostamente normais, gentis ou até ingênuos, que durante a narrativa vão gradualmente ativando as suas aflições, paranoias e acrescendo seus conflitos internos. Aos poucos, serão atormentados por uma série de acontecimentos que irão testar as suas convicções.
Mas vamos pular essa parte…
Deixando de lado o tema trilogia e sem nos aprofundarmos nos outros dois filmes, vamos focar em Rosemary, seu bebê e o que está em volta, por dentro e por fora da produção. Independente de sua qualidade cinematográfica, o que o torna um exemplo raro é a bagagem (positiva e negativa) que alcançou ao longo tempo.
Recordando a época de seu lançamento, o mundo estava naquele final de década quente, não no sentido climático. O ano de 1968, especificamente, foi emblemático para a contracultura e para toda a revolução que acontecia em praticamente todos os lugares, incluindo o Brasil. E o cinema americano vivia seu momento “oficial” de mudança.
O Oscar deste ano escancarou a Nova Hollywood, aquele movimento cinematográfico marcado por diversas mudanças conceituais dentro das narrativas fílmicas, mas, principalmente, pela autonomia conquistada pelos diretores, que tomavam as rédeas dos longas-metragens, até então dominados pelos produtores. Polanski embarcou nessa justamente com O Bebê de Rosemary. Era a época certa para trazer à tona uma história de impacto.
Mesmo que não consideremos Polanski como uma das figuras mais importantes dentro da Nova Hollywood (afinal, nem americano ele é), lá estava ele, se aproveitando de locações nova-iorquinas (o imponente e sombrio edifício Dakota já foi uma bela escolha) junto a uma trama, baseada no romance de Ira Levin, que cresce em suspense e chega a um grande impacto no clímax.
A força de uma ambientação bem apurada
Você já deve estar careca de saber qual a história do filme, mas vamos lá, para não perder o costume. Logo no início, somos apresentados à um casal comum, Rosemary e Guy, que busca um apartamento em Nova York. Eles acabam no imponente edifício Bramford, onde os vizinhos são aparentemente cordiais, solícitos e amigáveis. Os dias vão passando e Guy intensifica sua amizade com um casal de idosos, que começa a ficar mais presente após a descoberta da gravidez de Rosemary. Não demora para que ela desconfie dessa proximidade e fatos anormais comecem a surgir na narrativa. Mas não entraremos em detalhes.
Mia Farrow, tão lembrada por seus papéis nos filmes do Woody Allen, faz aqui uma interpretação com muita propriedade de uma frágil e delicada Rosemary, que altera gradativamente seu humor e discurso ao longo da trama, mesmo que mantenha uma certa suavidade no seu papel. Sua atuação, inclusive, é chave para a dúvida criada pelo diretor até certo ponto da trama: os fatos que se seguem são reais ou paranoia?
A ambientação é a força que faz este longa ter a sua maior representatividade. Polanski não recorre a sustos, o que deixa para nós uma lição de como fazer um filme de discussão sobrenatural com terror psicológico e, de certa forma, sutil, nos remetendo aos velhos ensinamentos do grande mestre Hitch com o “sugerir ao invés de mostrar”. Isso pode ser ainda mais aterrorizante do que qualquer cena visual direta. O elemento sobrenatural não fica claro, mas ambíguo, deixado em segundo plano, se considerarmos a proposta da narrativa.
As famosas “maldições”
O filme teve ótima resposta do público e da crítica, ao mesmo tempo que gerou polêmica. A igreja atacou severamente a ideia do nascimento do anticristo e tentou proibir sua exibição. E propaganda negativa também é propaganda.E não para por aí. Como todo clássico de suspense/horror que se preze, O Bebê de Rosemary ficou marcado por alguns acontecimentos negativos, algo que o público adora chamar de “maldições“.
Para quem não se recorda da história bizarra, um ano depois de seu lançamento nos cinemas, a esposa de Roman Polanski, Sharon Tate, que estava grávida de 8 meses, foi assassinada brutalmente por um grupo de seguidores de Charles Manson. A seita responsável pela tragédia era conhecida como Família Manson. Este ficou conhecido com um dos episódios mais violentos da década de 60 (mais 4 pessoas morreram) e ajudou a destruir a contracultura que avançava com força e a correlacionar as seitas do filme com a de Manson.
O produtor do longa, William Castle, também conhecido por dirigir diversos filmes de terror nos anos 50 e 60, como 13 Fantasmas e A Casa dos Maus Espíritos, recebeu ameaças de morte na época e chegou a ser internado. Segundo testemunhas do hospital, ele tinha pesadelos em que delirava dizendo “Rosemary, pelo amor de Deus, solte esta faca!”. Para quem não se lembra, Rosemary estava em posse de uma faca ao ver seu filho no berço no final do filme. Seria Castle o filho do demônio? E, por fim, uma tragédia mais tardia aconteceu em 1980, quando em frente ao edifício Dakota, cenário principal do filme, o ex-beatle John Lennon foi assassinado.
E o que veio depois?
Maldições à parte, que podemos também chamar de coincidências, Rosemary e seu bebê tiveram outras produções audiovisuais. Em 2014, uma nova adaptação do romance para as telas, em formato de minissérie, teve Zoe Saldana no papel de Rosemary. Mas o pior, na verdade, veio bem antes, em 1976.
Resolveram fazer uma sequência de O Bebê de Rosemary de quinta categoria, diretamente para a TV, que a maioria dos mortais desconhece por completo. Chama-se Look What’s Happened to Rosemary’s Baby e conta sobre os passos seguintes do filho do capeta. É difícil encontrar esta pérola, mas ela existe e ainda conta com Ruth Gordon repetindo o papel de Minnie Castevet, interpretação que fez com que ganhasse o Oscar em 1969. Esta bizarra continuação se junta a outras, também de filmes cultuados, que não fazem sentido algum, como aconteceu com Os Pássaros e Sem Destino.
Enfim, é uma obra que vale ser revisitada de tempos em tempos, independente das polêmicas em que possa estar envolvida. Tem qualidades indiscutíveis e é, reconhecidamente, um dos grandes clássicos do terror psicológico. Um dos raros exemplos cinematográficos a tratar um tema sobrenatural tão próximo ao cotidiano de uma família comum. E olha que o “anjo das trevas” nem aparece claramente.