Ratatouille completa dez resistindo bem à prova do tempo
Paris parece ser o destino preferidos dos românticos, sejam eles reais ou personagens de um roteiro. Por mais que a Cidade Luz tenha fama entre os apaixonados, há muito mais que romance para ser desfrutado em suas ruas. Quem é bom de garfo já sonhou com um tour pelos restaurantes franceses e suas delícias.
Nem o estúdio Pixar resistiu aos aromas e sabores da culinária mais comentada do mundo, e tratou de manifestar isso em forma de filme. Mas como nada é comum na Pixar, sua produção com tempero extra tem início em uma colônia de ratos. O bichinho temido das cozinhas (e da vigilância sanitária) ganhou status de protagonista. E o resultado é pura magia.
Ratatouille, dirigido por Brad Bird (também responsável por Os Incríveis) chegava aos cinemas há uma década em ritmo lento. Sua primeira semana nas bilheterias foi fraca, mas tem explicação. A história pode ser entretenimento para os pequenos, mas seu foco é o coração dos adultos. E o estômago também, diga-se de passagem.
O ratinho Remy é um adolescente vivendo o conflito de gerações com o pai, que tem o sugestivo nome de Django. Seu olfato apurado é utilizado para a segurança da colônia, identificando veneno nos alimentos. Parece uma causa nobre, mas Remy acha que este é o sinal de seu futuro brilhante na cozinha. Devorador (no bom sentido) dos livros do chef Auguste Gusteau, que tem como slogan a ideia de que qualquer um pode cozinhar, Remy descobre que quer ser chefe de cozinha.
Um rato sonhando com uma vida de panelas, pimenta e sal, tudo na medida, e que ele encontra ao se aproximar do atrapalhado Linguini, funcionário de um restaurante sem o mínimo talento para cozinhar.
Sinopse à parte, Ratatouille impressiona desde a primeira cena pelos cenários e a direção de arte. A casa onde Remy “mora” é inspirada nas construções da zona rural francesa, com detalhes impressionantes, com referências a algumas pinturas do impressionista Camille Pissarro. A dedicação visual continua quando Remy chega à Paris, percorrendo os esgotos.
As mais de 4500 fotos da cidade, usadas para a criação dos cenários da produção, foram muito bem aproveitadas. Mais que reproduzir, Ratatouille capta a atmosfera de uma Paris bucólica, em especial nas cenas noturnas. Revendo hoje, impossível não lembrar dos anos 20 de Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, só que com menos copos e mais pratos.
Cozinhas reais
Ah,as cozinhas de Ratatouille! Até quem só sabe colocar água para ferver fica admirado com o balé de Remy pelos temperos, talheres e ingredientes. E comida é coisa séria, ao ponto da Pixar examinar e provar diversos tipos de alimentos para tentar reproduzir texturas e cores com maior fidelidade.
A equipe de foley (técnica que “dubla” movimentos, utilizada não apenas na animação) teve o “trabalho” de morder centenas de frutas e legumes para encontrar o som perfeito. Os amantes da crocância e daquele paraíso que é um chocolate derretendo na boca agradecem, pois toda essa dedicação torna o filme melhor que um bom prato. Seja ele caríssimo ou requentado.
Por falar em valores, nem a crítica gastronômica escapou da trama. Anton Ego (outro nome sugestivo!) foi o crítico responsável por acabar com a carreira de Gousteau, o ídolo de Remy, após escrever uma crítica negativa sobre uma de suas receitas. Dublado na versão original pelo saudoso ator Peter O’Toole, Ego é um estranho no mundo visual de Ratatouille.
Olheiras profundas, cara amarrada e pálido, ele apavora donos de restaurantes cada vez que pede uma mesa. Exigente e arrogante, nada parece agradar sem ressalvas se paladar. Enquanto Linguini e Remy, cada um na sua forma, são felizes e fazem da comida um prazer, Ego parece cansado de ir em busca de algo que realmente emocione.
E é na alma de Ego que Remy vai cutucar ao preparar um prato simples. Ratatouille, a receita, envolve legumes, temperos, dedicação e tempo. E amor, é claro. Metade do sabor mora na paixão do cozinheiro. E o que não falta em Remy é paixão. Como esquecer seus olhinhos brilhando na cena em que transforma Linguini em marionete para que ele possa executar a receita que pode garantir sua vaga como chef?
Dez anos se passaram, mas Ratatouille parece ter saído vencedor no teste do tempo. Ainda emociona, diverte e é uma aula sobre como a animação não se resume a temáticas infantis e um simples rato pode ser o fio condutor para falar sobre família e sonho sem cair no clichê.
Legumes cozidos e bem temperados não arrasam nossos bolsos, mas trazem lembranças que nenhum prato premiado é capaz de reproduzir. Basta lembrar de Remy tentando traduzir sabores. É muito mais que doce e salgado. Uma prova de que a gente devia degustar mais. Da comida e da vida.