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40 anos de O EXORCISTA (PARTE 1) – O Diabo na carne de William Peter Blatty

Em 26 de dezembro de 2013, completou-se quarenta anos do lançamento de O Exorcista. Um dos exemplares mais famosos de um movimento que ficou conhecido como “Nova Hollywood”, o filme mantém até hoje uma aura de mistério e medo, em que algumas pessoas acreditam em um tipo de maldição vitimando de alguma forma membros do elenco e produção. Mesmo hoje em dia, é fácil encontrar pessoas que dizem que nunca assistiram e não o farão. É evidente que esse tipo de fenômeno é decorrente da temática do filme, mas como ele permanece tão forte ainda hoje? Qual o segredo de um filme vencedor, no sentido de cumprir sua promessa de causar medo, perto de tantos outros classificados como “de horror”, mas que parecem infantis se comparados a ele?

A gênese do terror demoníaco de O Exorcista acontece na mente de William Peter Blatty, autor do livro e roteirista responsável pela sua adaptação para a tela. Na década de 1960, ele trabalhava como roteirista de comédias, em parceria com Blake Edwards, diretor conhecido pelos filmes da franquia A Pantera Cor-de-Rosa, com Peter Sellers. Blatty roteirizou Um tiro no Escuro, o segundo da série. Retomando a carreira de escritor, ele se afasta do cinema e começa a trabalhar em um romance, inspirado por um caso supostamente real. Quando bolsista na Universidade Jesuíta de Georgetown, em uma aula de teologia, Blatty ouviu falar do caso de um menino de catorze anos, que teria sido libertado de uma possessão maligna através de um exorcismo. Essa foi a semente do livro, que, não por coincidência, situa-se em Washington D.C., próximo ao campus da mesma universidade.

Capa de uma antiga edição brasileira

Capa de uma antiga edição brasileira

Blatty preferiu colocar uma menina de doze anos como vítima inocente e aleatória da possessão pela entidade diabólica, e assim elaborou os outros personagens que sustentam a trama. O Padre Karras, que já sofria uma crise de fé no momento em que foi chamado para ajudar aquela família. Chris McNeill, atriz divorciada e mãe da menina possuída, Regan. Sem nenhuma inclinação religiosa, ela vê o exorcismo como último recurso. Fechando o núcleo principal há o Padre Merrin, personagem título, completamente ciente do inimigo que enfrentaria ali, o demônio sumério Pazuzu. Com essa estrutura, o livro foi lançado em 1971 e se tornou um sucesso, permanecendo na lista dos mais vendidos do New York Times por cinquenta e sete semanas. Inicialmente, apesar das ótimas críticas, o livro estava encalhando nas lojas que os devolviam aos montes. Em algum momento, alguém deve ter considerado que essa virada favorável aconteceu graças a um pacto satânico do autor, mas a realidade é bem mais fácil de explicar. Blatty foi chamado de última hora para substituir um convidado no talkshow de Dick Cavett, onde pôde falar sobre O Exorcista por quarenta minutos, em um veículo de alcance nacional.

O autor na época em que lançou o livro

O autor na época em que lançou o livro

Não há como saber se o livro foi feito no intuito de aproveitar uma onda. De qualquer forma, foi lançado na época certa, pois o mundo passava por uma tendência místico-ocultista desde o final da década anterior.  Com o fim do sonho hippie, os assassinatos cometidos pela família Manson e toda sorte de desilusões e conflitos mundo afora, era natural que um tipo de niilismo nervoso tomasse conta da cabeça das pessoas, e o satanismo foi uma via de escape. A Igreja de Satã foi fundada em 30 de abril de 1966 por Anton Szandor LaVey, em San Francisco, e tomava elementos de Aleister Crowley, entre outros. O ocultista Crowley, que já havia passado para o além em 1947 e atendia pelo singelo apelido de “A Besta do Apocalipse”, era uma espécie de vedete das artes místicas, cultuado por músicos como Mick Jagger, Jimmy Page, David Bowie e os Beatles, que colocaram sua foto na capa do álbum “SGt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Outras personalidades do meio artístico, como Sammy Davis Jr. e Jayne Mansfield, alegaram publicamente serem satanistas. O Brasil também teve representantes dessa vertente em Raul Seixas e Paulo Coelho. Seguidores de Crowley na época, eles comporiam depois, em 1975, o Rock do Diabo, com frases como “…enquanto Freud explica as coisas, o Diabo fica dando o toque… Existem dois diabos só que um parou na pista, um deles é o do toque e o outro é aquele do Exorcista…” Não dá para negar que o Diabo estava na crista da onda daquela década, e mesmo que O Exorcista não tratasse do Cão em pessoa, estava tudo em casa.

Aleister Crowley fez a cabeça da galera!

Aleister Crowley fez a cabeça da galera!

Com um sucesso editorial deste tamanho, mais a moda em torno do assunto, nada estranho que um estúdio comprasse os direitos de filmagem, e a Warner assim o fez. O ano era 1972 e com o próprio autor do livro no barco, garantindo fidelidade à fonte – como produtor além de roteirista – faltava apenas alguém que arcasse com a dura responsabilidade de dirigir, afinal não era um material fácil, e qualquer um sabia que o potencial de gerar polêmica era imenso. Entre os diretores sondados, Mike Nichols , de A primeira Noite de um Homem, Arthur Penn, de Bonnie & Clyde, e John Boorman, de Amargo pesadelo. Todos recusaram, sendo que o último alegou que era a história da tortura de uma criança, mas é curioso que ele mesmo tenha topado dirigir a tosca continuação O Exorcista II – O Herege, em 1977. Até Stanley Kubrick entrou na dança e não demonstrou interesse. Peter Bogdanovich, de A Última Sessão de Cinema, que na época andava no auge do sucesso e egocentrismo, recebeu um exemplar do livro com um autógrafo e uma dedicatória especial de William Peter Blatty; “Se você não dirigir este filme, ninguém mais o fará”. Foi puro teatro apelando para a vaidade, mas o então aclamado cineasta também recusou, talvez acreditando naquelas palavras.

Eis que Blatty lembrou-se de outro profissional, que havia chamado um roteiro seu para a televisão de “a pior merda que havia visto”, cara a cara. Apesar do tom, a ousadia foi admirada. Sim, era evidente que alguém com essa atitude tinha, ao menos, uma qualidade essencial para o projeto, e se essa pessoa fosse capaz de trazer um peso de realidade para aquela história fantasiosa, seria perfeito. Era hora de chamar um diretor que já havia provado ser capaz de usar na ficção sua experiência com documentários, com bastante sucesso, diga-se de passagem. Se esse mesmo indivíduo fosse o mais jovem cineasta premiado com o Oscar de melhor direção (fato esclarecido depois, pois o mesmo mentia sobre sua idade), então a coisa já tomaria uma dimensão muito maior em termos de ambições e expectativas. É neste momento que o outro William da nossa história aparece.

PARTE 2

FINAL

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