Permita-me refrescar a memória do leitor sobre a personalidade Yoani Sánchez, protagonista do documentário A Viagem de Yoani. A jornalista cubana, ganhou notoriedade em 2007 quando em seu blog Generación Y, deu “voz” ao sentimento de insatisfação acerca do regime socialista adotado em seu país. O ato de coragem rendeu a admiração de muitas nações, e quando finalmente Yoani pôde ter a permissão de viajar para conhecê-las, deu prioridade aos ares tropicais que tão bem conhecia, escolhendo nossas terras como primeira escala.
Está ai o ponto de partida do documentário, mais precisamente com a chegada da blogueira ao Aeroporto Internacional do Recife, onde antes de encararmos a figura de Yoani, nos são apresentados uma horda de ativistas pró-Cuba, disseminando mensagens de repúdio a ela por meio de cartazes, gritos e discursos exaltados. O filme já nos impacta ousadamente, apresentado o ponto de vista antagônico ao da protagonista, sem ainda trabalhar melhor a imagem da mesma. Depois somos conduzidos a conhecer Yoani, suas histórias e motivações. Há a vontade incansável de expor a dura realidade do socialismo, mas com a matéria prima da internet sob o controle do governo, poucos são os momentos em que ela desfruta do acesso ao mundo. O mesmo mundo que abraçou sua causa, traduziu suas mensagens a outras línguas e lhe premiou como pessoa influente, mas todo esse apreço dá margem para os oposicionistas acusarem a blogueira de vendida, traidora da pátria e objeto do capitalismo.
Apresentados os dois lados e o que eles defendem nesse combate ideológico, recobramos essa velha disputa, que inclusive tem suas cores já tão impregnadas nessa associação, servindo de linguagem para o filme posicionar os 2 ideias. Aliás, com essas cores e ideologias tomando corpo em nossas últimas eleições e com o momento político atual castigado por insatisfações, o filme chega em um momento perfeito. A imagem de Yoani, responsável por bradar a repulsa de seu povo pelo governo, é retratada com o mesmo respeito às opiniões divergentes, que também precisam ter tempo de tela para que se entenda o cenário geral.
Passada a exibição, tivemos uma breve conversa com os diretores do documentário, , juntamente com Eduardo Suplicy, atual Secretário dos Direitos Humanos. O filme nos mostra o envolvimento de Suplicy na visita de Yoani, sendo um anfitrião da jornalista e até dando a oportunidade de um debate entre ela e seus fervorosos opositores. Sendo assim, Eduardo comentou o episódio em que lamentou a atitude da esquerda extremista, que segundo sua ótica, combatia a presença da jornalista sem enxergar que o precedente de sua viagem poderia ser o lampejo de uma futura reabertura política de Cuba para o mundo e vice-versa. Relembrou fatos da fundação de seu partido, saudoso da época em que o ideal de esquerda era clássico. Suplicy também respondeu a perguntas sobre sua atual atividade como Secretário dos Direitos Humanos, sem se prolongar.
Os diretores nos explicaram que a história de Yoani os tocou como a premissa de uma obra cinematográfica, e a partir dessa ideia, começaram os trabalhos de aproximação com a Jornalista. Colheram material aqui e em Cuba, mas mesmo longe do país socialista, o tema polêmico do documentário sofreu com alguns entraves e burocracias nos festivais que aspirou participar. Comentaram a dificuldade de acesso a alguns eventos dos quais ela participou quando esteve aqui, e que mantiveram o material na ilha de edição por algum tempo, por considerar o atual cenário político um campo fértil para a reflexão que o filme exige.
Tomara que surta algum efeito, pois reflexão é um artigo que anda em falta por aqui…