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Interestelar – Lento, cabeçudo e espetacular!

Existem poucos diretores em Hollywood que conseguem liberdade para realizar uma visão pessoal, trazendo conteúdo para um produto assumidamente blockbuster. Geralmente, como o caminho mais fácil é a ação descerebrada, os produtores acabam optando por ela mesmo, afinal, a diretriz primordial é fazer muito dinheiro. Christopher Nolan é um desses poucos exemplares. Seus filmes, sem exceção, conseguem trazer um toque autoral, gerar discussão e nos fazer pensar. E junta tudo isso com a grande bilheteria, que na maioria dos casos, ultrapassa o que era projetado pelo estúdio. Interestelar é mais uma grande obra na filmografia deste cineasta.

Interestelar

Eis que na reta final de 2014, chega aos cinemas Interestelar, mais uma ficção-científica do diretor britânico. Diferente de A Origem, desta vez sabíamos ao menos do que se tratava o longa: Viagens espaciais. Porém, com Nolan, sempre podemos esperar que a história não será focada apenas na Trama A, e normalmente, os assuntos e dilemas mais interessantes ocorrem justamente nas tramas secundárias. Em seu novo filme, não poderia ser diferente.

Em Interestelar, o mundo está sofrendo com a falta de comida – graças a uma praga que infesta as fazendas – mais a evidente escassez de recursos naturais e todos sofrem com frequentes nuvens de poeira. A solução não está mais dentro dos limites da Terra, que parece não ter mais salvação. Resta então uma ideia mais óbvia e radical: deixar nosso planeta. Seguimos a jornada do personagem Cooper (interpretado de maneira muito competente por Matthew McConaughey), um ex-piloto e engenheiro, atualmente tocando uma fazenda de milho, um dos únicos alimentos que ainda não foi atacado pela praga. Cooper é recrutado para se juntar a uma equipe de cientistas que vão em busca de novos planetas para a salvação da raça humana. A viagem será feita através de um buraco de minhoca, cujo conceito científico – explicado de maneira extremamente simples – é um túnel que vai de um ponto do Espaço-tempo até outro ponto, diminuindo consideravelmente a distância percorrida e possibilitando uma travessia que seria inimaginável fora dele. A tal passagem é  situada nas proximidades do planeta Saturno. Em um mundo nestas condições, um personagem com uma inclinação clara para a aventura, como é o caso de nosso protagonista, não teria motivo para hesitar, mas ainda existe um conflito essencial para o andamento do filme. Ele precisa deixar seus filhos para seguir com a missão.

Como já foi dito, a Trama A é apenas a linha guia da história, mas são as outras tramas, a relação entre os personagens e os dilemas sofridos que nos seguram na poltrona durante as quase 3 horas de filme. Complicado falar de tais aspectos sem soltar spoilers leves e pesados, mas posso ressaltar que a evolução da relação entre os personagens é muito bem cadenciada e defendida de maneira digna pelos atores, que muitas vezes seguram a cena sozinhos, principalmente Matthew McConaughey, dono de alguns momentos em que muitos espectadores podem até derramar uma ou duas lágrimas. Michael Caine, Anne Hathaway – velhos conhecidos do diretor – e Jessica Chastain completam o elenco principal se entregando de forma muito convincente aos seus personagens. O modo como Nolan dirige também possibilita a inserção de elementos sutis, que não são ditos através de diálogos, mas unicamente através da câmera, focando em olhares e movimentos que podem até passar despercebidos, mas dão alguns toques que enriquecem ainda mais a obra.

Interestelar

Um ponto que deve ser ressaltado é a Hard-science do filme. A maioria dos filmes de ficção-científica acabam por adaptar as Leis de seu Universo para ajudar o protagonista em determinada situação. Jonathan e Christopher Nolan escrevem o roteiro de tal forma que tais Leis sejam essenciais para o andamento da trama e criação de dilemas – como em A Origem. As viagens espaciais através do buraco de minhoca têm como base as teorias do físico Kip Thorne, que possui diversas contribuições nas áreas de gravitação e astrofísica. Tal consultoria fez com que o filme não cometesse os erros de muitos filmes sci-fi, que é de não considerar efeitos relativísticos, a partir da Teoria da Relatividade de Einstein, em viagens interplanetárias. Por exemplo: Em Interestelar, a velocidade atingida pela nave é tal que o tempo passado nela é muito mais lento que o tempo passado na Terra, ou seja, por menor que seja o tempo levado para cada ação dos cientistas, na Terra passaram-se anos e isso se torna um elemento chave para muitos dilemas vividos pelos personagens, tanto daqueles que estão na Terra quanto daqueles que estão na missão. Além do respeito aos efeitos relativísticos, o filme também escapa do problema da gravidade, gerando uma aceleração centrífuga que equivale à nossa sensação de aceleração para o centro da Terra. Sim, 2001 de Kubrick também usou isso, mas é o jeito mais viável e realista de gerar gravidade artificial. Bem melhor assim do que através de cristais de dilítio (o combustível fictício de Star Trek, que “resolvia” várias lacunas científicas a respeito de viagens espaciais) ou simplesmente ignorar o fato.

Nolan e Kip Thorne

Nolan e Kip Thorne

Como atingir a perfeição é muito difícil, especialmente em projetos deste tamanho, infelizmente Interestelar tem seus deslizes. Apesar de surpreender em vários pontos, existem determinados personagens e subtramas que surgem depois da metade do filme e não são necessários para as resoluções finais, além de se desenvolverem de forma muito previsível. Não compromete o último ato da narrativa e arranha muito pouco o resultado final, mas não deixa de chamar a atenção. Entre as compensações, além das qualidades já citadas, existe a bela fotografia, cortesia de Hoyte Van Hoytema, de ElaDeixe Ela Entrar (o original sueco) e O Espião Que Sabia Demais, que repete aqui o grande trabalho que realizou nestes filmes. O cinéfilo mais dedicado vai identificar os pontos em comum entre essas quatro obras. Na trilha sonora, Hans Zimmer torna mais evidente a homenagem ao épico espacial de Stanley Kubrick, em mais uma colaboração muito feliz com Nolan.

Parafraseando meu companheiro de cabine, Daniel Fontana, que definiu o filme como “Lento, cabeçudo e cientificamente correto.” Devo dizer que é uma excelente descrição. Sem pressa em sua condução, o filme apresenta os personagens e a situação com muita calma. Não é preciso correr e isso é bom. Cabeçudo, pois nos faz pensar durante toda sua projeção e depois de sair da sala. Cientificamente correto, pois as viagens interplanetárias, engenharia e questões relativísticas são respeitadas e mostradas de maneira plausível – pelo menos até onde é possível perceber – e tem papel essencial na trama.

Interestelar

Novamente, Nolan faz um filme de extrema qualidade. Você pode até não gostar do cineasta, mas é inegável o fato de que seus filmes têm um diferencial. Interestelar é uma ficção-científica que há muito tempo o cinema não tem o coragem de produzir, preferindo subestimar a inteligência do público. Falando por mim, como aficionado por sci-fi, saí do cinema com um sorriso no rosto.

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