A premissa é, no mínimo, inusitada: quatro estranhos se encontram, na noite de ano-novo, no alto de um prédio onde pretendiam se matar. A estranheza do encontro faz o quarteto adiar os planos suicidas para um momento mais privado, porém, mal sabiam eles que o grupo estava unido por um vínculo que não poderia mais ser quebrado, levando-os a uma jornada de autoconhecimento e recomeços. O inglês Uma Longa Queda (2014, Pascal Chaumeil), tem algumas características típicas das comédias britânicas, como o humor sutil (às vezes imperceptível para os mal-acostumados ao escrachado cinema americano) e a falta de pudor para temas delicados. Porém, foge dos clichês da risada fácil através da desconstrução de tabus ou mergulho em melodramas baratos. Trata-se de uma sensível reflexão sobre os limites da vida.
Martin (Pierce Brosnan), Maureen (Toni Collete), JJ (Aaron Paul) e Jess (Imogen Poots), são personagens com biografias completamente distintas que, em diferentes momentos da vida e por motivos diversos, decidiram dar cabo da própria existência. Após a surpresa no momento derradeiro e o igualmente surpreendente reencontro subsequente, decidem fazer um pacto: não suicidarem-se até o dia dos namorados, o Valentine’s Day em fevereiro, data mais propícia para a morte depois do ano-novo. O acordo acaba utilizado como a tábua de salvação que evita o afundamento dos quatro sobreviventes nas semanas seguintes. Sem perceber, na busca por reinventarem as próprias histórias, acabam por exporem-se como nunca haviam feito antes. Percebem que, ao abrir as fragilidades a quem compartilha dos mesmos anseios pode ser a melhor forma de se lidar com elas.
Uma Longa Queda é um filme sobre amizade e confiança. As pinceladas de humor são as partes mais fracas da produção, mas servem apenas para suavizar a densidade do argumento que não deixa dúvidas sobre os perigos da solidão para a existência humana. Mostra que os motivos para a morte só podem ser vencidos pelo simples desejo de viver. As bases de auto-ajuda estão lá, mas não se engane: não se trata de mais um filmete cantando o manjado mantra “o amor tudo salva”. O que salva é o afeto, da família, dos amigos e, principalmente, de si próprio, o mais problemático de todos.
O longa é uma adaptação do best-seller homônimo de Nick Hornby, escritor já outras vezes adaptado para o cinema. Apesar das óbvias limitações de abordagem de um filme em relação ao um livro, o diretor francês Pascal Chaumeil, influenciado pelos trabalhos com o mestre Luc Besson, consegue sagazmente impingir a profundidade necessária a personagens de complexidade acima da média do cinema comercial. Pierce Brosnan, como um ex-astro da televisão acusado de pedofilia, está em um momento bem menos canastrão que o de costume; Toni Collete vai muito bem no papel de uma dona de casa sufocada pela responsabilidade sobre o filho doente; Aaron Paul, recentemente alçado à fama pelo premiado papel de Jesse Pinkman em Breaking Bad, pode ser o menos afinado dos quatro, mas não chega a comprometer a importância do mais complicado dos personagens; já Imogen Poots, dá o tom cômico e ao mesmo tempo trágico que a situação exige, em uma atuação marcante e divertida.
O roteiro e a direção estão longe de serem brilhantes, pois não inovam no uso das dicotomias clássicas das referências visuais de alegria e tristeza: dia/noite, sol/neve, paria/cidade, amigos/solidão. Porém, a boa harmonia entre a trilha sonora sentimental sem ser melosa, fotografia zelosa e uma bem sucedida adaptação de textos, fazem do filme de Chaumeil uma obra tocante.