William Friedkin recebeu um exemplar do livro, com a mesma dedicatória cara-dura mandada para Peter Bogdanovich. Pareceu-lhe ser algo desafiador e, até certo ponto, impossível de se fazer, mas ele entusiasmou-se com a possibilidade de, em suas próprias palavras, “fazer um filme melhor que o de Francis (Ford Coppola)” referindo-se ao grande sucesso daquele ano, O Poderoso Chefão. O risco era alto, pois a história envolvia uma produção muito além do que se fazia na época, e qualquer deslize faria tudo cair no ridículo e jogaria a carreira do promissor cineasta no lixo. É bem provável que essa mesma percepção tenha afastado os outros realizadores, já que talento não faltava naquele grupo, mas talvez faltasse competitividade e uma ousadia maior que a da maioria. Nisso, Friedkin superava a todos.
Ainda colhendo os frutos do sucesso de Operação França, William Friedkin sabia como era adaptar um livro recusado por quase todo mundo. A história, inspirada em um caso real, era sobre o estouro de uma quadrilha internacional de traficantes de drogas pela polícia de Nova York e correu o risco de ser apenas mais um policial genérico. Como tinha um caso com a filha do lendário diretor Howard Hawks, teve a honra de encontrar-se pessoalmente com ele, que o aconselhou a esquecer alguns maneirismos estéticos que vinha cultivando no início da carreira , insinuando que ele era um diretor “de arte”. Hawks insistiu que as pessoas queriam ver filmes de ação, com caras do bem contra caras do mal. Essas palavras tiveram efeito nele, que procurou uma abordagem mais tradicional para seu filme policial, inspirando-se muito mais no cinema clássico de Hollywood do que na Nouvelle Vague, mas isso não significava que o movimento francês seria esquecido. O diferencial foi trazer uma ambiguidade moral, até então rara, para produções cujo público estava acostumado ao maniqueísmo, então, não seria injusto dizer que foi uma questão de incluir uma sutileza europeia no cinema de gênero norte-americano. Não existem heróis e vilões claramente definidos em Operação França, e a técnica que Friedkin aprendeu com seus documentários deu mais credibilidade ao produto final. Ele encontrou um novo rumo para sua carreira e o saldo da ousadia, além do estouro de bilheteria, foi um Oscar de Melhor Diretor aos trinta e dois anos de idade. O filme ainda levou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Ator (Gene Hackman), Melhor Montagem e Melhor Roteiro Adaptado.
Blatty e Friedkin se deram bem logo de cara, talvez pelos dois compartilharem uma forte ligação com suas mães, e o fato de as terem perdido recentemente. Essa empatia não impediu que o impetuoso cineasta se manifestasse, totalmente contra o roteiro escrito pelo novo amigo. Reclamando que o autor havia se distanciado do próprio trabalho, ele exigiu que fosse refeito, dizendo que queria contar a história direito, do começo ao fim. Segundo Friedkin, Blatty fez algo à sua própria obra que nem seu pior inimigo faria, e o escritor não teve problemas em obedecer, reescrevendo tudo. Difícil saber hoje em dia como era esse primeiro tratamento do texto, mas devia mesmo ser muito ruim e distante do original, pois o roteiro filmado é de fato bastante próximo do livro.
Na hora de escalar o elenco, mais discórdia. Blatty queria Marlon Brando no papel de Karras, escolha totalmente desprezada por Friedkin, por dois motivos. O primeiro dizia respeito ao conhecimento geral de como era difícil controlar o ator, um risco que um diretor obcecado por controle, como era o caso, jamais correria naquela situação. Em segundo, Friedkin também sabia o que Coppola havia passado em O Poderoso Chefão, dividindo os holofotes e a glória com seu ator principal, considerado o melhor de todos os tempos. Na guerra de egos em que Hollywood vivia naqueles tempos, isso era inadmissível. O Exorcista deveria ser só seu, e pronto! Para isso, garantiu a presença de bons atores, porém, nada famosos. O padre Karras seria vivido por Jason Miller, estreando no cinema. Ellen Burstyn, atriz vinda da TV que atuou em A Última Sessão de Cinema, ficou com o papel de Chris McNeill, a mãe. Como padre Merrin, o respeitado Max Von Sydow, ator sueco de O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, ambos de Ingmar Bergman. Agora, faltava apenas preencher o papel crítico, que poderia ser o elo mais fraco de todo elenco.
É certo que William Friedkin era – e provavelmente continua sendo – um homem de extremos, e se uma personalidade como aquela tinha poder para traumatizar adultos, imagine o que poderia fazer ao trabalhar com uma menina na pré-adolescência. Linda Blair tinha doze anos quando foi testada para o papel, então Friedkin quis conferir pessoalmente se ela estava à altura da tarefa. O diálogo entre os dois está no livro Easy Riders, Raging Bulls, de Peter Biskind, e mostra que a garota não se intimidava fácil:
–Você leu O Exorcista?
-Li.
-O livro é sobre o quê?
– Sobre uma garotinha que é possuída pelo demônio e faz um monte de coisas ruins.
– Que tipo de coisas ruins?
– Ela empurra um cara de uma janela e se masturba com um crucifixo e…
– O que isso quer dizer?
– É tipo tocar siririca, não é?
– É sim. Você sabe o que é tocar siririca?
– Claro que sim!
– E você faz isso?
– Claro! Você não toca punheta?
Foi contratada!