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Star Trek Discovery / Primeira Temporada: Episódios 1 e 2 – Crítica!

Star Trek Discovery começa – não com o pé direito, mas também não com o esquerdo

Star Trek Discovery estreou. As perguntas que temos que fazer são: em que lugar desse vasto universo ela está, e para onde ela vai?

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Gene Roddenberry tinha um sonho, que ele materializou e disseminou pelo mundo na forma de sua criação, Jornada nas Estrelas, que o tempo e o marketing reverteram aqui no Brasil à sua nomenclatura original, Star Trek. O sonho de Roddenberry para Star Trek era mostrar a utopia que os seres humanos seriam capazes de atingir se adotassem a razão, a ética e o espírito criativo e empreendedor que possuímos como diretrizes da nossa existência, no lugar da mesquinhez e ganância individualistas, que sempre levam a violência e a guerra.

Infelizmente, Roddenberry nos deixou antes mesmo de concluir a segunda série trekker, A Nova Geração. Com o tempo, seu sonho foi se diluindo conforme as séries que exploravam esse universo se tornaram menos relevantes – e menos inteligentes – até que o final de Enterprise, última série trekker, tenha significado momentaneamente o fim do sonho de Roddenberry em qualquer mídia.

Felizmente – ou não – houve um novo despertar de interesse sobre esse universo habitado por humanos, vulcanos e klingons graças ao sucesso do reboot da franquia no cinema. É nesse ponto em que começamos a fazer considerações sobre Star Trek Discovery.

Em que pese que o reboot de J.J. Abrams seja divertido e dinâmico – e é – ele ainda está a anos-luz de distância dos momentos mais inteligentes, sagazes e brilhantes que as séries ofereceram em seus roteiros. A ausência de um roteiro mais sofisticado foi compensada com belos efeitos especiais e boas atuações – ou seja, algo mais palatável para um público casual. O que é absolutamente justificável, afinal, dificilmente somente a fiel base de fãs trekker sustentaria um colossal investimento num filme que fosse voltado somente ao seu nível de exigência.

Quando soubemos que o sucesso dos filmes incentivou a produção de uma nova série, sentimentos conflitantes surgiram no coração dos fãs. Os mais novos adoraram a ideia – o que é natural, afinal, Enterprise foi ao ar já faz 15 anos, o que significa que os mais jovens nunca tiveram uma série ST para chamar de sua. Os mais velhos reagem ressabiados. O medo: que a série esteja mais próxima dos filmes de Abrams – esteticamente belos, mas intelectualmente vazios – do que do sonho de Roddenberry mostrado em TOS e TNG (The Original Series e The Next Generation).

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Isso dito, descemos o martelo: em qual parte desse espectro está Star Trek Discovery? Se formos seguir pelo que vimos nos dois primeiros episódios, The Vulcan Hello e Battle at the Binary Stars, infelizmente estamos mais próximos de Abrams.

Criticar audaciosamente – mas com calma

É claro que não podemos, de forma alguma, dizer que o seriado será bom ou ruim apenas pelos seus dois primeiros episódios. Seria injusto e intelectualmente desonesto. Na verdade, se formos observar a própria história de Star Trek, temos que ser pacientes: é um fato conhecido e quase unanimemente aceito que TNG, por exemplo, só engatou para valer no final de sua segunda temporada – ou seja, mais de 40 episódios depois de sua estreia.

Não obstante, também é um fato que a maneira que se faz séries hoje é completamente diferente de como se fazia 20 anos atrás. O formato episódico, centrado em cenários fixos, dificilmente funcionará hoje. A série teria nascido imediatamente datada, pois sofreria imediata comparação com a altíssima qualidade de séries recentes, pós-segunda era de ouro da TV. Era necessário oferecer um Star Trek não à altura necessariamente desse público mal-acostumado com alta qualidade visual – que normalmente esconde histórias patéticas – mas sim à altura da alta qualidade que encontramos nos melhores exemplares da TV hoje.

Na verdade, esse seria um ponto a ser exaltado nos dois primeiros episódios de Discovery: a tentativa de aproximar a série da visão de Abrams para esse universo faz com que, de fato, cenários, figurinos e maquiagem estejam muito bons. Existe uma distinção de cores entre as culturas apresentadas na série até agora, Federação e Império Klingon, que torna imediata a identificação visual de ambas. Existe uma preocupação e um esmero na criação de raças alienígenas mais críveis – a exemplo de Saru, interpretado pelo ótimo Doug Jones, que já começa a série como um dos personagens mais interessantes.

Entretanto, a história – que se foca na nova ascensão do Império Klingon (lembrando que, cronologicamente, a história se passa alguns anos antes da Enterprise de Kirk) e na relação particular da Comandante Burnham (Sonequa Martin-Green) com essa raça – parece prometer muito mais uma banal história de ação e aventura envolvendo raças em conflito, do que a conhecida e sofisticada inteligência humana que é a marca da série.

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Isso certamente mexe com as expectativas de quem realmente sabe o que o nome Star Trek pode ofecerer – e que, neste caso, não indica em primeira instância que irá entregar. Novamente: isso não é um julgamento de toda a série, apenas dos dois primeiros episódios. Mas é sim, muito difícil imaginar que grandes textos possam sair de algo que claramente propõe uma estrutura novelesca de aventura.

Existe a possibilidade de um subtexto político – a questão da autoafirmação para a união da raça klingon evoca imediatamente a xenofobia latente dos tempos em que vivemos, assim como a resposta da Federação poderia ser explorada por vieses interessantes: tanto uma resposta ética-utópica sobre como responder agressividade com uma sabedoria superior, como também fazer uma crítica aos atuais líderes, tornando a Federação, um pretenso símbolo de utopia, em uma organização militar qualquer ao menor esboço de um conflito.

E essas não são questões levianas, ou uma especulação vazia – outra das marcas registradas de Star Trek é a abordagem de temas políticos e sociais de forma pioneira, progressista, a frente de seu tempo. É necessário para qualquer série que envergue o nome de Star Trek investigar a natureza humana, postular um futuro para nossa espécie de acordo com aquilo que nós temos a oferecer de melhor – esse era o sonho de Roddenberry. Qualquer coisa menor do que isso é um desrespeito ao seu legado.

Se eles não sabiam, os produtores e escritores liderados por Bryan Fuller e Alex Kurtzman deveriam saber que Star Trek não é somente uma história de aventura, um produto na prateleira a ser consumido, vomitado em redes sociais e descartados. É material para reflexão, para nos debruçarmos sobre e termos aprendido algo quando terminarmos de ter visto.

Como espectador, tenho sim plena consciência de que muita coisa também produzida nas séries clássicas era não somente de baixa qualidade – muitos episódios vão as raias do ridículo. Muitas vezes, coisa trash mesmo. Em contrapartida, o que Star Trek ofereceu em seus melhores momentos, em seus melhores textos, até hoje é coisa estudada em universidades, ensinada para tornar esse mundo um lugar melhor. O desafio para a nova série não é ser melhor ou mais bonita do que as séries anteriores – algo que muita coisa descartável já consegue fazer hoje – mas oferecer um legado. Um sonho. Como aquele de Roddenberry.

A pergunta que Star Trek Discovery tem que se fazer é: ir audaciosamente onde ninguém jamais esteve, ou permanecer preguiçosamente onde é seguro? Como tudo no universo de Star Trek, só o futuro dirá.

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