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O Prisioneiro – O ideal libertário na telinha da TV (FINAL)

Os episódios de O Prisioneiro e a postura de McGoohan

Já leu a primeira parte do artigo?

Os temas que passaram pela série me sua breve existência bastante curiosos. Além de deixarem inúmeras ideias reaproveitadas depois na cultura pop, também discutiram temas importantes na época e hoje. No episódio A, B & C, uma nova tecnologia é usada para extrair informações, invadindo os sonhos do Número 6. Impossível não se lembrar da trama do filme A Origem, principalmente por ser de Chris Nolan e produzido depois do cancelamento do tal remake em longa-metragem que ele dirigiria. Ao longo dos capítulos, além da óbvia discussão sobre liberdade e controle da informação, foram discutidos os conceitos de democracia, eleições, educação, comportamento de manada, conformismo e muito mais.

O Prisioneiro - The Prisoner - com Patrick McGoohan

Número 6 foi candidato no episódio “Free For All”

Entre outros temas e interpretações, houve também soluções bastante criativas para driblar problemas e surpreender o público. Em Do Not Forsake Me, Oh My Darling, McGoohan estava ausente, trabalhando em Hollywood no filme Estação Polar Zebra, com Rock Hudson. A solução foi criar um roteiro que lidava com troca de mentes, e assim o Número 6 apareceu interpretado por outro ator. Em Living in Harmony, apesar dos créditos e o nome no início, o cenário de western e ausência dos conceitos comuns à série, até o final devem ter deixado uma boa parte do público intrigada.

A mítica, as teorias e as histórias por trás de O Prisioneiro são bastante interessantes. Até hoje, há quem afirme que a ordem dos episódios é diferente da oficial, exceto pelo piloto e os dois últimos. Também surgiu a teoria sobre o Número 6 ser na verdade John Drake e tudo aquilo uma continuação de Danger Man. Isso foi negado categoricamente por McGoohan, criando um atrito com George Markstein, que segundo o Imdb, não só confirmou como também autorizou romances baseados na série que se referiam ao Número 6 como John Drake.

As perguntas são um fardo para os outros; as respostas uma prisão para si mesmo

Markstein também queria tudo fosse esclarecido no final, mostrando ao público o que aconteceu “de verdade”, e claro que McGoohan foi contra. Pela vontade de seu intérprete e criador, O Prisioneiro teria apenas sete episódios, porém a emissora pretendia algo mais vendável e ao estilo dos seriados da época. Lew Grade propôs duas temporadas, com treze episódios cada, com o encerramento da história. Contrariado, o ator aceitou e a produção seguiu.

O Prisioneiro - The Prisoner - com Patrick McGoohan

“Do Not Forsake me, Oh My darling”. Número 6 em outro corpo.

De acordo com o The Unmutual, site dedicado à série e uma grande fonte de consulta sobre o assunto, apesar de toda aura cult posterior e interpretações de todo tipo, o caminho do início até o encerramento foi conturbado e repleto de arranjos de última hora. Entre estouros de prazos apertadíssimos e de orçamento, vários episódios fora de ordem parcialmente filmados e a discórdia quanto aos rumos do programa – culminando numa despedida amarga de George Markstein no episódio doze -veio uma ordem de cancelamento.

Foi permitido que os quatro episódios em andamento fossem terminados e apenas mais um fosse escrito e produzido para o fechamento. Lembrando que o planejamento do canal previa duas temporadas de treze episódios, é provável que o ator tenha ido filmar em Hollywood por já saber do destino da série, pois o episódio em que o Número 6 troca de corpo é justamente o décimo terceiro. Difícil supor que a equipe seria avisada tão em cima da hora, portanto, logisticamente é mais aceitável que antes disso todos já sabiam que a primeira, e única, temporada seria alongada para dezessete capítulos.

O Prisioneiro - The Prisoner - com Patrick McGoohan

Cenário de western em “Living in Harmony”

Once Upon a Time, o décimo sexto, era um dos episódios inacabados que aguardavam finalização e talvez tenha sido pensado como o final de um primeiro ano, pois mostrou um embate psicológico bastante contundente entre o Número 6 e o Número 2. Coube a McGoohan, que já havia escrito e dirigido outros episódios, a tarefa de costurar as pontas a partir dali, assumindo novamente as duas funções, com prazos inumanos, claro. O episódio final, Fall Out, exibido em 1º de fevereiro de 1968, é uma continuação direta do anterior. Foi escrito em apenas um fim de semana, mas o cronograma impedia um maior detalhamento e consta que Kenneth Griffith, ator que interpretou o juiz, teve que escrever suas próprias falas.

Com todo um histórico de problemas, Fall Out poderia ter sido qualquer bobagem esquecível, semelhante a muitas séries recentes metidas a besta. Ao invés disso, mantendo a provocação e estímulo à participação ativa do público que permearam toda a série, Patrick McGoohan conseguiu ir além e entregou uma peça que rende mais discussões que a infidelidade de Capitu. O fim da saga do espião sem nome em busca da liberdade, com direito a Beatles na trilha sonora, é algo carregado nas tintas do simbolismo, da psicologia e da filosofia, hoje lembrando David Lynch e Alejandro Jodorowsky.

O Prisioneiro - The Prisoner - com Patrick McGoohan

“Fall Out” , o episódio enigma

Se ao longo dos episódios anteriores foram apresentadas alegorias sobre controle e alienação – muito mais evidentes hoje em dia –  cujo objetivo era questionar o mundo real e seus mecanismos, essas reflexões acabavam se situando mais no meio ambiente e na corrupção do sistema. Em Fall Out, as correntes do humanismo e existencialismo são evocadas e atingem o pico, quando é o próprio indivíduo, seu papel e sua percepção do mundo sendo discutidos. Tamanha liberdade talvez só tenha sido possível pela correria do cancelamento e a necessidade de colocar algo no ar, mas não importa. Foi um final digno para uma das séries mais singulares e estranhas, no bom sentido, já realizadas.

Nosso mercado mantém O Prisioneiro no limbo

A má notícia é que esta peça única do entretenimento televisivo é ignorada pelas distribuidoras e canais pagos do Brasil. Infelizmente, resta aos os fãs mais ansiosos e os curiosos comprarem o os DVD’s ou Blu-ray’s importados, mas dificultando ainda mais, as caixas com a série completa lançadas lá fora não contam com legendas em português. Curioso, pois há bastante oferta de discos importados com esse recurso. É realmente uma pena, mas, para quem não se importa com esse detalhe, essa compra vale muito a pena também pelo material extra. Se a paciência for grande, espere. Algum dia, caso o tal remake em longa-metragem seja produzido, é quase certo que haverá mais interesse em reprisar o original e lança-lo aqui em home vídeo.

(ATUALIZADO: Tem um tal de Ridley Scott no páreo deste remake… Melhor deixarem quieto!)

Sem Patrick McGoohan - Remake de O Prisioneiro (2009)

A esquecível versão de 2009

Faltou falar da versão de 2009 de O Prisioneiro. Bem, talvez o futuro traga uma postagem totalmente dedicada a esse assunto, ou não. Por ora, basta dizer que essa é uma daquelas produções em que você procura assistir por curiosidade, depois fica a dúvida se aquilo foi feito apenas para aproveitar uma marca. Se alguém agora estiver gritando “AH, MAS NÃO PODE COMPARAR!!!” eu estou humildemente respondendo “Então, que usassem outro nome e esquecessem o original”.

E isso é O Prisioneiro. Atual, provocativo, estranho, bizarro, genial e um sem-número de adjetivos, alguns nem tão lisonjeiros, mas ele sobreviveu e transcendeu sua época , cativando fãs e alimentando debates até hoje. Se você já viu, ou verá, pode ser que não goste, que discorde de tudo aqui escrito, que tenha uma visão totalmente diferente da minha, ou até ache que tudo não passa de uma grande enganação com um belo verniz intelectualóide. Vai fundo! O que vale é a troca de ideias, afinal, não estamos na Vila…

De olho em você!

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