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Justiceiro – Uma primeira temporada matadora na Netflix!

Justiceiro surpreende positivamente pela qualidade narrativa e escolha de temas

A primeira temporada de Justiceiro começou com o pé direito – direto na porta. O retrospecto das séries Marvel já pesava negativamente com força, o que significava que a série do vigilante psicótico Frank Castle (Jon Bernthal) já chegaria sob imensa desconfiança. Felizmente, ao que aparenta, esse retrospecto, apesar de bastante negativo, acabou servindo bem à Castle.

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Porque esse é um dos primeiros elementos positivos da série – as menções ao universo marvel são mínimas; praticamente restritas a um punhado de easter eggs. O Justiceiro, apesar de ser um personagem da Marvel, simplesmente não funciona tão bem com um contexto mais sobrenatural ou fantástico. E isso não é uma afirmação nossa – basta pegar o personagem nos quadrinhos, e ver quantas vezes ele conseguiu colaborar ou combater decentemente super-heróis ou super-vilões. Sua proposta é outra, completamente.

Apesar de tecnicamente ser um spin-off de Demolidor, ele não poderia estar mais distante do universo dos uniformizados e/ou poderosos. Dessa forma, os produtores e o showrunner Steve Lightfoot optaram por colocar os pés no chão e, no lugar de realizar uma série sobre um vigilante uniformizado wannabe de super-herói, o que nós temos é uma consistente história sobre vingança, traições e cicatrizes de guerra.

O que nos leva ao segundo ponto positivo da série – a abordagem desses temas “pé-no-chão”. Apesar de se basear essencialmente na vingança de Frank Castle contra aqueles que mataram sua família, o que nós vemos é que esse é apenas um dos aspectos de algo muito mais profundo, e que é um dos – e talvez o mais interessante – pilares da série: transtorno de estresse pós-traumático.

A doença, hoje vastamente documentada, ainda que não totalmente documentada, é o que conduz quase todos os protagonistas da trama. O jovem Lewis Walcott (Daniel Webber) e sua incapacidade de se adaptar a vida pós-guerra; Curtis Hoyle (Jason R. Moore) e a aceitação de lidar com os eventos e as consequências que tomaram sua perna; Billy Russo (Ben Barnes) e a completa perda de fé no sistema; o próprio Frank, cuja identidade acabou se cristalizando em torno do combatente, deixando o homem de família para trás.

A história da série se desenvolve em várias camadas psicológicas, com cada um tentando lidar com uma verdade ingrata que todo soldado que luta por tempo demais eventualmente descobre: o mundo pelo qual eles lutaram não sabe – e muitas vezes não quer – recebe-los de volta.

Dessa forma, nenhuma das ações e atitudes tomadas pelos personagens – nem mesmo o Justiceiro – parece leviana ou gratuita. Ao contrário. No final da série, a impressão que fica é que todos aqueles homens imensos e exímios combatentes que vimos, na verdade são algumas das pessoas mais fragilizadas e desesperadas por ajuda que já encontramos.

Incidentalmente, isso também acaba sendo uma justificativa para as ações extremas tomadas pela maior parte deles; não estamos lidando com heróis e vilões maniqueístas, mas com pessoas profundamente sequeladas pela dor, seja ela da saudade, da distância, ou mesmo física.

A escolha do material-base

Esse desenvolvimento mais complexo da psique brutalizada dos personagens tem muito a ver com a escolha do material base. Com algumas exceções pontuais, a série é praticamente estruturada em torno do material MAX do Justiceiro. Embora a realidade da série gire em torno da questão psicológica, os produtores sabiam que isso seria pouco para sustentar uma série que se pretende ser de ação por treze episódios. Estamos falando de Justiceiro, e isso implica em pancadaria.

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Assim, o principal vilão é William Rawlins (Paul Schulze), um inescrupuloso alpinista político que sabe utilizar os medos e anseios dos seus comandados e do público americano para atingir seus objetivos particulares. Uma das pessoas que ele usou nesse processo foi Castle – e é claro que ele terá que pagar por isso.

Uma das coisas mais interessantes da série é justamente esse aspecto de thriller político, acrescentando mais uma camada para a história da primeira temporada, astutamente impedindo que ela também se torne apenas pancadaria monocórdica.

De fato, parece surpreendente dizer algo assim, mas é difícil classificar Justiceiro como uma série de ação, dada a quantidade de dramas pessoais e esquemas políticos vemos. Mas entenda, amigo leitor, que isso é algo bom – a violência é abordada como um meio para um fim, mas sendo esse meio reprovável e desagradável para levar a um fim no mínimo elusivo.

A série apropriadamente aborda a questão da violência armada sem fazer qualquer tipo de apologia. A personagem de Karen Page (Debora Ann Woll) ressurge (incidentalmente, sendo um dos pouquíssimos elos com o resto dos vigilantes Marvel da Netflix) justamente para demonstrar como a questão que envolve o porte de armas tem suas justificativas – mas também graves consequências. Dessa forma, a série encontra um equilíbrio na maneira de apresentar sua violência, mas sem banaliza-la ou glorifica-la.

A figura que melhor simboliza as consequências dessa violência praticada por aqueles que abusam do sistema, ou que estão à margem dele, é Dinah Madani (Amber Rose Revah). A personagem é uma clara demonstração de como muitas vezes a própria burocracia do sistema – visivelmente retratada como uma opção do ego daqueles que o sustentam – é que cria agentes que abusam dele, ou que, como o Justiceiro, preferem fazer as coisas nas sombras deste.

Além de Rawlins, outros elementos conhecidos dos quadrinhos também emergem na série – mas devidamente alterados para ganhar estofo, e torna-los mais fáceis de se envolver com. O bizarro e meio fetichista techgeek David Lieberman (Ebon Moss-Bachrach), conhecido como Micro, na série se torna uma espécie de Edward Snowden, lutando contra o sistema atrás de uma tela, para recuperar sua família.

Incidentalmente, existe todo um arco dedicado à condição da família Lieberman, que acredita que David está realmente morto. Esse arco é um dos poucos pontos realmente falhos da primeira temporada – seu único propósito é criar uma ponte emocional entre Micro e o Justiceiro. Entretanto, o tempo dedicado a ele é grande e insípido, travando o desenvolvimento da temporada, principalmente nos episódios do meio da temporada.

Quem sabe, sabe, quem não sabe…

Não obstante, o conhecimento dos quadrinhos também pode prejudicar a fruição de alguns arcos. O exemplo mais claro é o de Billy Russo. Quem conhece qualquer coisa sobre o personagem sabe que se trata do vilão mais conhecido do Justiceiro, o Retalho, que figurou inclusive na infame versão do personagem com Ray Stevenson, Justiceiro: Zona de Guerra. Não que o personagem não seja bem desenvolvido, pelo contrário; mas existe a criação de uma expectativa em torno do personagem, cujo desfecho aqueles que leram a HQ fatalmente já sabiam qual seria, diminuindo seu impacto no final.

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A condução geral estética da série, que segue o padrão mais obscuro das séries Marvel na Netflix, serve muito bem ao Justiceiro. Tudo parece – na melhor das hipóteses – apático e meio deprimente; na pior, sombrio e opressivo. Não existe muito alívio, como era de se esperar, na condução estética da série. Não existem dias ensolarados ou momentos de descontração (a não ser na distante memória dos personagens); toda a fotografia e cenografia é feita para dar um tom geral e constante de luto para a série.

A narrativa, como já dissemos, dá uma engasgada no miolo da temporada. Alguns arcos poderiam ser muito bem resumidos, ou sequer existir – a insistência da Netflix em realizar os 13 episódios padrão das suas séries Marvel acaba sendo um desserviço para uma série que poderia ser tão boa – ou melhor – do que a primeira temporada de Demolidor. Entretanto, essas escolhas equivocadas não chegam a prejudicar completamente a série, que ainda pode ser considerada – com larga vantagem – melhor do que qualquer outra, com exceção da mencionada acima, série Marvel na Netflix.

Vamos torcer para que o Justiceiro continue acertando na mosca nas próximas temporadas – seus inimigos e também suas histórias.

 

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