Apesar de tudo, o brasileiro ainda ama dublagem
Certa vez, tive o prazer de comparecer a uma oficina de dublagem dirigida por ninguém menos que Nelson Machado, a voz do Kiko do Chaves. Uma das frases marcantes desse encontro, dizia – em outras palavras – que nunca houve tanta liberdade de escolha da linguagem do conteúdo que assistimos, mas quando nós conhecemos os filmes, séries e desenhos que amamos, conhecemos dublados.
Essa reflexão nos leva muito mais além dos tempos em que ainda não éramos alfabetizados, e a dublagem nos permitia entender o conteúdo. Já nessa época, ela não era uma muleta, e nunca foi; era mágica, prazerosa, engraçada, emocionante, e nos fazia amar de verdade os personagens. Não à toa, a dublagem brasileira figura entre as melhores do mundo.
O público brasileiro é muito engajado com a dublagem, e não é só os nichos de fãs que detém conhecimento sobre o assunto. Portanto, nada mais justo que disseminar ainda mais essa sabedoria.
Sobre dubladores e titeiros
Muitos já cansaram de ouvir seus artistas favoritos dublados com uma voz característica – a ponto de dizer “essa voz é a do Will Smith“, por exemplo. Na dublagem, quando isso acontece, usa-se um jargão: o ator internacional é o “boneco” do dublador, ou seja, sempre que aparece em uma produção, procura-se dar prioridade para que o mesmo dublador faça o trabalho. Mas já cansamos de ver vozes diferentes num mesmo ator não é mesmo?
O fã assíduo da dublagem já tem uma explicação para esse fato; mas sejamos didáticos. Há dois núcleos dominantes na dublagem. Mesmo que hoje outras praças estejam investindo nesse setor, São Paulo e Rio de Janeiro sempre foram os alicerces. A primeira explicação é que o filme no qual o ator se insere pertence à uma distribuidora, e esta tem contrato com uma determinada casa de dublagem.
Como a maioria delas ficam no eixo SP-RJ, ora ouviremos o dublador paulistano, ora o carioca. Muitas vezes há mais de um dublador para cada ator no mesmo Estado, mas um deles sempre terá mais participações, criando um vínculo maior.
Se você tem menos de trinta anos, você já imitou essa voz.
A dublagem sempre foi conhecida e apreciada, mas os dubladores tiveram um reconhecimento de verdade após o maior fenômeno da TV brasileira: Cavaleiros do Zodíaco. Desde então, começamos a conhecer os nomes por trás das vozes. Criamos o costume de falar que a voz que ouvimos é a do dublador de tal ator.
Então, mesmo depois de nos acostumarmos com uma voz para um artista, quando este é interpretado por outro dublador, seja em outra praça ou até na mesma, também conhecemos a outra voz. Muitos filmes tem as duas versões, a carioca e a paulistana.
O que analisamos acima nos mostra apenas o motivo principal das alternâncias, mas ainda há outros que podemos incluir. Precisamos deixar claro que quem detém os direitos sobre o filme é o cliente, e este por sua vez vai procurar o estúdio com o qual trabalha, que por sua vez tem o poder de escolher quem vai escalar para dublar.
Ainda assim, é preciso destacar que as casas de dublagem tem grande respeito pela determinação dos bonecos, que não é imperativa, mas sim regida num bom senso coletivo. Muitas vezes, porém, o dublador não tem horário disponível dentro dos dias que o estúdio estipulou como prazo para entregar o filme. Alguns dubladores também podem não querer trabalhar em certas casas de dublagem, por motivos diversos.
O dublador fiel
Há ainda sentimentos distintos na relação dos fãs com a dublagem. Para eles, muitos casos de atores e personagens jamais podem ser dissociados daquela voz específica que cresceram ouvindo. No universo da dublagem, por outro lado, há um sentimento mais prático do que emocional, pois trata-se de um trabalho. Isso explica algumas substituições que são feitas perante a um não-acordo nas negociações entre dubladores e distribuidores para certos trabalhos que envolvam direitos sobre as vozes em outras mídias.
Outra situação é quando o ator a ser dublado interpreta um personagem muito caricato, ou com características completamente contrárias ao seu porte vocal comum, exigindo que outro dublador com características mais próximas dessa proposta o interprete. E como não citar o exemplo dos nossos amados Wolverines. A voz de Isaac Bardavid como o carcajú no desenho dos X-Men da década de 90, está impressa em nossos ouvidos.
Um encontro épico!
Eis que, desde que Hugh Jackman assumiu o papel nos cinemas, Isaac foi sua fiel voz apenas nos filmes em que ambos deram vida ao Wolverine. Está aí um exemplo de dublagem que não é compatível com o ator, mas sim com o personagem. Em nenhuma outra produção Bardavid dá voz à Hugh Jackman. Esse ano, houve o lendário encontro dos dois, um deleite para os fãs.
Tudo isso nos mostra a diversidade de bons dubladores que temos, como são reconhecidos aqui e no exterior; sem falar das novas gerações que já estão surgindo com o mesmo potencial. Eu particularmente considero um privilégio ter mais de uma boa interpretação na dublagem para um filme, pois a tudo isso ainda se pode somar a atuação original. O público tem o poder de escolha, e em quase todos os casos, excelentes opções de dublagem à mão.
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