Unfollow e as redes sociais
Existem maneiras e maneiras de criticar o mundo atual através da ficção, seja ela científica ou não. O tiro no pé acontece quando os autores se privam da sutileza e escancaram seu alvo de uma forma muito evidente. Explicando melhor, Unfollow, série da Vertigo escrita por Rob Williams e desenhada por Mike Dowling, mira nas redes sociais de hoje para construir sua premissa. Impossível ler e não pensar, com um certo desânimo “Ah, isso aqui é o Facebook com outro nome e esse aqui é uma versão do Zuckerberg”.
Pode parecer implicância da minha parte, já que esse detalhe não torna necessariamente a história ruim. Porém, limita MUITO o leque de interpretações e a participação do leitor. Enfim, diferente do filme de Jason Reitman – Homens, Mulheres e Filhos -, que desenvolvia relações humanas dentro da Era Digital em uma trama pé no chão, Unfollow extrapola a realidade com seu roteiro.
O recluso (seu alarme de clichê disparou?) Larry Ferrell é o criador do Headspace, prestes a morrer por conta de um câncer no pâncreas. Sua fortuna de 18 bilhões de dólares será dividida igualmente entre 140 usuários escolhidos aleatoriamente. Todos são levados à ilha do magnata (aposto que tocou novamente…), onde descobrem um detalhe que faz diferença. Se esse número de participantes diminui, o que aconteceria por morte, o valor é redistribuído entre os restantes.
Pensou na célebre frase do Capitão Nascimento? Exatamente isso, claro. Esse experimento social em larga escala, criado por um ricaço moribundo, vai ferrar a vida de muita gente. Guardadas as devidas proporções, lembra o ótimo A Experiência, filme alemão baseado em fatos de 2001, mas, como já ficou claro, sem a menor sutileza e com pouco a oferecer em seus primeiros números. São seis neste primeiro encadernado.
Sobre o que foi observado no primeiro parágrafo, o que falta a essa HQ é o que havia nas duas primeiras temporadas de Black Mirror, onde as histórias evocavam contextos abrangentes, alargando os horizontes da reflexão. Quando se afunila em um detalhe muito específico dentro disso, a discussão perde a força por conta da obviedade. Com a história em curso, resta a esperança de que melhore depois, desde que você não se importe com algumas pontas soltas à la Lost.
Pouco interessante
O primeiro volume de Unfollow nos revela a situação geral, mas traz detalhes que farão o leitor questionar a verdadeira natureza dos eventos. Aparições estranhas envolvendo felinos falantes e um funcionário com uma estranha máscara asiática demoníaca são algumas destas coisas. O pano de fundo dos personagens que parecem carregar o protagonismo leva um tempo para ser estabelecido, com idas e vindas que comprometem a fluidez da história. Sem confinar a trama à situação da ilha, acompanhamos as pessoas de volta ao lar, assim como flashbacks reveladores.
O pouco conhecido roteirista britânico Rob Williams (que assinou uma história do Flash neste especial) tem pouco a oferecer nesta apresentação de sua série. Nada é digno de muita atenção ou de recomendação. Sobre a arte de Mike Dowling, o conjunto é correto, mas não há qualquer esforço para que a narrativa visual se destaque, jogando o trabalho em uma vala comum dividida com milhares de trabalhos comuns mês a mês. O selo Vertigo já foi melhor, infelizmente.
O traço sempre interessante de R. M. Guéra (Escalpo) como desenhista convidado, apenas no último número, chega como atrativo tarde demais. Iniciada em 2015 nos EUA e finalizada no #18, teremos mais dois encadernados da Panini para descobrirmos como isso se desenvolve e se encerra.
Ironicamente, Unfollow pode fazer o leitor largar sua edição para procurar algo mais interessante… no Facebook, talvez. Aguardemos o restante, mas sem muito otimismo.