Um dos períodos mais intensos e assustadores da vida é foco em Uma Irmã
Transição, mudança, metamorfose, transformação… Enfim, todas essas palavras podem ser usadas para descrever diversos momentos em nossas vidas. Alguns são tão sutis e singelos que nem sequer percebemos. Às vezes, seu efeito se dá depois de muito tempo, permitindo-nos culpar o acaso. Todavia, outros são tão marcantes e intensos, que podem se definir como pontos determinantes a dividir nossa vida, sendo a fronteira entre o antes e o depois.
Em A irmã (Une soeur), HQ do francês Bastien Vivès , acompanhamos um desses momentos que definem limiares, durante um dos períodos mais intensos e assustadores da vida. Este retrato da adolescência, no entanto, foi escrito para um público que já saiu dela.
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Publicada originalmente em 2017, lançada aqui pela Nemo no ano seguinte, narra um breve e transformador momento na vida de Antoine, um jovem de 13 anos, quando conhece Hélène, uma garota três anos mais velha. Ela lhe traz descobertas e experiências inéditas repletas de incertezas e emoções.
Não é algo novo, nem nos quadrinhos ou qualquer outro tipo de arte sequencial, tratar temas relacionados à adolescência. Muitas dessas obras são extremamente bem resolvidas (como O Gosto do Cloro, do próprio Vivès). Já outras, acabam apresentando equívocos, muitas vezes por serem concebidas por adultos com uma visão deturpada sobre o conceito – mesmo já tendo passado por ela.
Em Uma irmã, temos mais uma obra com essa premissa, mas claramente direcionada aos adultos. O clima da narrativa tem um certo toque nostálgico, afetando o público mais maduro de maneira muito prazerosa e eficaz. Curiosamente, Antoine dificilmente geraria uma empatia profunda em um leitor de sua mesma idade.
Isso se dá pela obra não ser sobre uma sucessão de acontecimentos, mas sobre as impressões e sentimentos que ficam de uma lembrança. Algo que só alguém mais velho, que já possui algum distanciamento dessa fase, consegue assimilar de forma mais contundente.
Empatia e espelhamento entre Antoine e o leitor
Auxiliado por um traço minimalista e preenchimento em branco, preto e tons de cinza, fica muito fácil nos colocarmos na pele do protagonista. Seja qual for sua condição, todas as experiências novas vividas por Antoine conseguem encontrar algo análogo na vida do leitor, independente de sua natureza. Você pode ser muito diferente do personagem e ter vivido coisas mais diferentes ainda, mas, com certeza, sentiu as mesmas sensações extasiantes, dúvidas e medos.
A intensidade da iniciação sexual de Antoine, por exemplo, pode espelhar uma experiência totalmente diferente no leitor, que não necessariamente seja relacionada à descoberta do prazer sexual.
Misturando ficção e lembranças, Bastien se inspirou em sua própria trajetória para criar a narrativa, fato que, com certeza, contribuiu e muito para a verossimilhança da história.
Uma irmã é uma leitura agradável e saudosista, mas passageira
Mesmo com toda sua sensibilidade e esmero de criação, ainda assim, Uma irmã é uma obra que não fica muito tempo na cabeça do leitor. O ponto forte de realizar essa viagem no tempo é reviver nossos episódios marcantes, despertando lembranças, mas não traz algo novo.
Como citado, há inúmeras trabalhos muito bons que tratam da adolescência, fazendo com que este seja mais um nesta gama. Um exemplar muito bom, é verdade, mas que não se destaca muito – a meu ver, nem era essa a intenção. Diferente, por exemplo, de Umbigo Sem Fundo de Dash Shaw.
Uma Irmã é uma obra sensível, nostálgica e sincera. Seu minimalismo faz o leitor regredir à adolescência e reviver, em certa forma e medida, alguns dos turbilhões emocionais que marcam essa época complexa da vida.
Relembrar tal fase nos faz pensar que, mesmo com todas as idiotices que aprontamos, uma coisa é certa – citando Sally Júpiter, em Watchmen, de Alan Moore -: “…o passado, mesmo as piores partes…bom, ele vai ficando cada vez mais e mais brilhante.”