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TRILOGIA NIKOPOL – O surreal e o simbólico na ficção científica européia!

Uma nave espacial em forma de pirâmide, “estacionada” nos céus de uma Paris futurista e decadente na melhor tradição cyberpunk, ocupada por divindades do panteão egípcio que espantam o tédio jogando Monopoly, mais conhecido por aqui como Banco Imobiliário. Muito Insano? É mesmo, mas esse é o ponto de partida do álbum A Feira dos Imortais, o primeiro volume da Trilogia Nikopol, considerada uma das melhores histórias em quadrinhos realizadas na França.

Uma situação surreal até mesmo para a ficção científica.

Uma situação surreal até mesmo para a ficção científica.

Escrita, desenhada e colorida pelo artista Enki Bilal, nascido na ex-Iugoslávia e naturalizado francês, a obra começou a ser publicada em 1980, com o segundo álbum, A Mulher Armadilha, em 1986 e o último, Frio Equador, em 1992. Num clima do que pode ser algum tipo de referência ou metáfora para a complicada situação geopolítica de seu país natal à época, o autor nos transporta à Paris do ano de 2023, dominada pelo ditador Jean-Ferdinand Choublanc, cuja megalomania característica da função atinge o paroxismo com a chegada da pirâmide voadora. Os deuses egípcios pedem que o governo lhes forneça combustível para que sigam viagem, porém, o ditador exige que lhe concedam a imortalidade antes em troca do favor, mas isso lhe é negado e prolonga a permanência da pirâmide nos céus. Enquanto isso, o panteão tem seus problemas internos. Hórus, vingativo e rebelde, arma um esquema em benefício próprio, aproveitando o aparecimento de Alcide Nikopol, um exilado em animação suspensa no espaço que cumpria pena por deserção. Nikopol literalmente cai de pára-quedas na história por culpa do robô XB2, detalhe melhor explicado no decorrer da narrativa. Neste momento, conhecemos o “povão” parisiense, vivendo na sujeira e regredido a um estado de ignorância típico da Idade Média, em contraste gritante com a aristocracia do governo.

Jill Bioskop

Jill Bioskop

Em A Mulher Armadilha, conhecemos a jornalista Jill Bioskop no ano de 2025, que cobre um conflito entre minorias étnicas em Londres. Sem muita explicação, os textos que ela envia para o jornal alcançam outra época no passado, 1993, enquanto sua rotina vai complicando-se cada vez mais numa loucura potencializada pelo uso de drogas. Mesmo mantendo a pegada cyberpunk, é bem evidente que a inspiração aqui é a literatura e o cinema noir, com direito a narração em off e a própria Jill representando uma espécie de femme fatale.

A Africa é um lugar estranho...

A Africa é um lugar estranho…

Fechando a saga, Frio Equador é o mais curioso e complexo dos três. Apresenta uma trama que mistura um estúdio de cinema e neve no meio da Africa, a resolução do conflito entre Hórus e seus iguais, o fim da jornada de Jill Bioskop e Nikopol, o nascimento de um bebê semi-divino e Chessboxing – modalidade que alterna rounds de boxe com lances de xadrez- entre outras coisas. Seria um tanto inútil e limitador entregar mais, pois aqui conta muito a visão pessoal de cada um a fim de embarcar na história. Não que os anteriores também não tenham essa característica, mas a cada álbum ela foi ganhando contornos mais fortes, algo que se intensifica quando pensamos os três como obra única.

A curiosidade em torno do terceiro álbum é que o Chessboxing, hoje praticado na vida real, tem tido sua criação atribuída à imaginação de Enki Bilal especialmente para a história, mas o link da Wikipedia em inglês informa que a invenção do esporte foi em 1978, num clube ao sul de Londres. Apesar disso, o mesmo verbete em português credita a invenção aos quadrinhos. Segue uma pequena amostra da excêntrica modalidade:

Arte soberba!

Arte soberba!

Analisando a trilogia como um todo, que conta com uma arte espetacular, combinando perfeitamente com a complexidade e o clima da história, temos um conjunto que pode ser descrito como um fantástico exercício de imaginação que causará espasmos mentais no leitor que se dispuser a mergulhar em suas páginas. É aquele tipo de história para ser lida várias vezes, procurando detalhes e pensando sobre qual o sentido de determinados detalhes ou diálogos. Complicado demais? Não! Instigante na medida certa e disponível completa no Brasil num volume único lançado pela editora Nemo, com um preço bem atraente. Uma edição bem caprichada que respeita o leitor e a obra.

A nova edição brasileira é de se orgulhar!

A nova edição brasileira é de se orgulhar!

Numa época em as adaptações de quadrinhos dominam as salas de cinema, deve ter passado pela sua cabeça que um trabalho tão visual quanto esse daria um filme. Devo informar que ele já existe, escrito e dirigido pelo próprio Enki Bilal, o pai da matéria em pessoa!

Mas isso é assunto para outra postagem…

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