O segundo volume do “herói da ciência” de Alan Moore é especial por vários motivos. Depois da Panini trazer o personagem de volta em uma publicação decente, resgatando-o do limbo em que ele ficou após as lambanças das editoras anteriores, a continuação das aventuras de Tom Strong não apenas mantém o pique de seu início, mas aumenta o escopo das homenagens, referências e citações comuns das enciclopédicas mentes dos roteiristas britânicos. A quem não comprou o primeiro encadernado e ainda não teve o inenarrável prazer de conhecer essa série, cabe um pequeno resumo.
Rapidamente, Tom Strong é um gênio científico aventureiro, cujos pais pesquisadores encontraram a ilha perdida de Attabar Teru em 1899, criando seu filho até os oito anos em uma câmara com gravidade alterada e com uma dieta com raiz de goloka, própria da flora da ilha. A gravidade garantiu força física alterada e a raiz maior longevidade e habilidades cognitivas aprimoradas. Adotado pelos nativos da ilha ao ficar órfão, ele cresceu e se tornou o protetor de Millenium City, tarefa que ocupa ainda no fim do século XX com sua esposa Dhalua, sua filha Tesla, o gorila aprimorado Rei Salomão e um autômato mordomo steampunk, chamado Pneuman.
Se você conhece algo do universo dos pulps, já sacou que a pegada aqui é essa mesma. Aliás, entenda essa iniciativa de Alan Moore – a ABC Comics, lançada no fim da década de 1990 sob o guarda-chuva da Wildstorm antes de ser absorvida pela DC – como um fantástico exercício de imaginação, pensando em uma indústria de quadrinhos que teria florescido sem o marco zero do Superman em 1938. Portanto, o referencial do aventureiro pulp não teria sido ofuscado pela figura do super-herói e, exatamente por isso, o roteirista usa o termo citado no primeiro parágrafo. Se você não manja muito deste assunto, ouça o podcast que dedicamos ao tema.
Em Tom Strong: Terror na Terra Obscura, temos os números 08 a 14 da revista original, publicados a partir de julho de 2000. Contando com um desenhista oficial, Chris Sprouse, com várias participações mais do que especiais, o volume é uma metralhadora referencial dos quadrinhos e da cultura em geral. Tramas que lembram ficções científicas clássicas, as realidades paralelas que os escritores britânicos tanto adoram e até os desenhos animados de Chuck Jones.
Desnecessário comentar as habilidades de Alan Moore como roteirista, mas aqui, mesmo com um formato despretensioso de pequenas histórias, ele mostra uma esperteza ímpar na ligação sutil entre elas através de detalhes, ás vezes, comentados de passagem. Faz sentido, afinal, a família Strong tem uma rotina tresloucada em termos de espaço-tempo, que deixaria aquele quarteto da Marvel com inveja.
Além da história que dá nome ao encadernado, com desenhos de Sprouse, Gary Gianni ilustrou uma narrativa, naquele formato sem balões de diálogo que precedeu a linguagem definitiva dos quadrinhos, com um traço que lembra Gustave Doré. Os trabalhos de Pete Poplaski e do veteraníssimo Russ Heath conferem o ar ingênuo de Era de Ouro que o texto exige. Entre outros ilustradores muito competentes – Alan Weiss, Paul Chadwick e Kyle Baker – quem mais chama atenção é Hilary Barta, por em uma história assumidamente cômica, evocando diretamente Harvey Kurtzman em seus tempos na Mad.
No meio desta montanha russa, talvez o único detalhe que impeça uma nota máxima seja justamente o segmento Terror na Terra Obscura. Desde as capas, tão deliciosamente recheado de referências quanto os outros, talvez até mais, temos aqui uma alusão ao momento em que a indústria pulou para a Era de Prata, apresentando o conceito de multiverso, mas se torna um pouco arrastado em sua segunda metade. Talvez o estranhamento venha por estarmos acostumados aos pequenos contos, enquanto esse é o único longo, que tomou dois números da revista original. No entanto, claro que não é nada que estrague, no fim das contas.
Eu diria que Tom Strong: Terror na Terra Obscura é obrigatório. Se você ainda não tem o primeiro volume, corra atrás. Diversão garantida para quem conhece essas referências, mas não tema, pois também é muito bacana para quem ficar curioso com o que encontrar lá e procurar as fontes depois. Com papel LWC, capa cartonada e custando R$ 27,90, é o tipo de gibi que vale cada centavo investido. Que a Panini publique a série até o fim, pelo amor de Chukulteh.