Momentos finais de Tom Strong
O sexto e último encadernado da série criada por Alan Moore tem seus altos e baixos, evidentemente, já que – novamente – temos vários roteiristas envolvidos. O próprio barbudo de Nothampton só assina a última história, descendo as cortinas para seu herói científico. No entanto, o saldo geral de Tom Strong: Nos Confins do Mundo é positivo, diferente do quinto volume, que não contava com nenhum roteiro de Moore.
Também não chega a ser tão bom quanto Terror na Terra Obscura, mas segura bem a onda, como no caso de Invasão. Caso você nunca tenha ouvido falar do personagem, vamos lá: toda essa série é composta de histórias curtas com aventuras fechadas do protagonista, ocasionalmente acompanhado por sua família e/ou amigos. Dentro desta proposta descompromissada, buscando sempre situações absurdas envolvendo ciência, era natural que perdesse fôlego em algum momento e o encerramento veio em boa hora.
Multiverso pulp
A numeração da revista original que a edição abrange vai do 31 ao 36, publicados entre 2005 em 2006. Tom Strong amargou alguns hiatos editoriais de sua estreia, em 1999, até seu encerramento. O encadernado da Panini abre com uma participação especialíssima de um dos grandes amigos de Alan Moore. Michael Moorcock, criador de Elric de Melniboné, é o roteirista da primeira história, A Lâmina Negra da Costa Bárbara. Quem já conhece algo deste autor, talvez perceba que o título já dá uma boa pista do que ele preparou.
Tom Strong acaba envolvido em um trama construída em torno da mitologia de Moorcock, interagindo com Seaton Begg, o investigador metatemporal, personagem de vários contos curtos. O caso levará nossos heróis para uma aventura de piratas. Um exercício interessante incluir o universo do herói científico como parte de um mesmo multiverso da literatura, mas isso é uma qualidade relativa, funcionando apenas para quem já conhece esse trabalho. Não faz muito sentido para qualquer outra pessoa.
Sobre a arte, Jerry Ordway faz o trabalho competente que já nos habituamos a esperar dele. O destaque fica por conta da narrativa, nos momentos em que os personagens precisam singrar o multiverso. Dividida em dois capítulos, esta história ainda é superior à seguinte.
Referências cinematográficas
A Jornada Interior tem roteiro de Joe Casey, homenageando um clássico do cinema. Pneuman, o mordomo robô da família Strong, começa a apresentar comportamentos bizarros, como candidatar-se a prefeito de Millennium City e juntar-se a uma banda. Para descobrir o que há de errado, Tom Strong e Salomão se miniaturizam e percorrem o interior do autômato, no melhor estilo Viagem Fantástica. O que eles encontram por ali traz um questionamento à la Star Trek. Os traços limpos e a diagramação dinâmica de Ben Oliver ajudam a garantir a diversão.
A peteca cai um pouco na história seguinte, a mais fraca da edição. Quem assina o texto de Os Pináculos de Samakhara é outro amigo do mago. O falecido Steve Moore (nenhum parentesco) vem acompanhado do veterano Paul Gulacy, cuja arte já vinha decaindo naquela época, o que não ajuda em nada um roteiro de premissa manjada, que mostra um escritor cujas criações ganharam vida.
A HQ aproveita o clima nostálgico característico de Tom Strong e o coloca em uma trama de matinê, ao estilo Indiana Jones com a fantasia mais carregada. A mistura poderia funcionar com um pouco mais de criatividade, mas acabou como a história mais fraca da coletânea.
Chris Sprouse de volta e o barbudo costura as pontas
O desenhista que ajudou a criar o visual do nosso herói científico retorna nos momentos finais. Chamado Gelado tem roteiro de Peter Hogan e aproveita coadjuvantes que apareceram antes. Greta Gabriel, antigo amor de Tom Strong, parece ser a responsável por roubos a joalherias. Os poderes de congelamento da moça a tornam a principal suspeita dos assaltos, mas é claro que existe um plot twist mais à frente.
Divertido e ilustrado por Chris Sprouse daquela forma que conquistou fãs para a série, é um capítulo divertido. Simples, mas eficiente. Não há uma série de referências metalinguísticas ou qualquer sacada esperta, já que são poucos que conseguem esse feito em poucas páginas. Neste momento, quem acompanhava na época deve ter percebido que, sem alguém à altura de Alan Moore, a série virou um beco sem saída.
Chegando ao final, Tom Strong no Fim do Mundo coloca todo o elenco da linha ABC criada por Alan Moore (Top 10, Cobweb, etc.)às voltas com a ameaça do Armagedom. A responsável é ninguém menos que outra personagem desta galeria: Promethea. Curiosamente, um deslize editorial forte é que o nome dela aparece aqui como Prometeia, mesmo já tendo sido publicada pela Panini com o nome correto.
Quem não fizer a mínima ideia dos conceitos de Promethea terá um problema aqui. Mesmo os que já conhecem podem interpretar de formas diferentes, até mesmo reclamando de um certo hermetismo que, vira e mexe, os roteiristas britânicos gostam de usar. De qualquer forma, é um encerramento interessante, revirando a mitologia do protagonista com revelações de última hora. É ótimo que tenha contado com a arte de Chris Sprouse , além de um estilo de colorização diferente, cortesia de José Villarrubia, contribuindo com o tom surreal do roteiro.
Para quem acompanhou tudo, Tom Strong: Nos Confins do Mundo traz a sensação do fim de um seriado de TV bacana, onde o carisma do elenco e a agilidade narrativa garantiu nossa fidelidade por anos. Não é a obra mais significativa ou brilhante que qualquer um tenha lido durante a vida, mas arranca um sorriso em sua última página, junto com aquele “Que pena…” que vem à cabeça em algumas despedidas.
Valeu a pena!