Talco de Vidro é um thriller psicológico tenso e reflexivo
Sabe aquela sensação complicada de descrever em palavras? Que não é possível entendê-la, mas apenas senti-la? Então, essa mesma! Essa é a sensação quando se lê Talco de Vidro. E é claro que esse sentimento que estou tentando descrever não é o mesmo que você ou outra pessoa sentiu ou sentiria. Afinal, cada um é cada um, certo?
Talco de Vidro, lançado em 2015 pela Editora Veneta, conta a história da dentista Rosângela, uma mulher de meia idade, casada com um médico de renome e com dois filhos adolescentes. Aos olhos dos outros, Rosângela leva uma ótima vida. Beirando a perfeição na verdade. Consultório bacana em Niterói, um bom carro de último tipo, filhos estudando em uma boa escola e um marido amoroso. Não tem do que reclamar, certo? Mas, quem disse que sua vida se resume a status matrimonial, saldo bancário ou filhos matriculados em boas instituições? Às vezes, as coisas quantificáveis da vida, por melhores que estejam, não condizem com aquela maldita sensação. Isso, aquela que não dá para descrever.
Marcello Quintanilha descreve o ser humano com traços alcalinos
O texto de Quintanilha resgata as melhores características de uma crônica. Ao selecionar um fragmento da vida da protagonista, o autor nos revela um panorama contundente e ácido de algo maior e que incomoda, e muito, o ser humano: enxergar a si mesmo.
A leitura de Talco de Vidro não é agradável. É incômoda. E no melhor sentido da palavra para aqueles que gostam de um viés mais incisivo e provocador. Afinal, assim como em Hinário Nacional, outro trabalho de grande qualidade do autor – que até foi pauta de um vídeo do Formiga na Tela, Quintanilha consegue traçar um retrato do ser humano com seus dilemas mais corrosivos e seus medos mais intensos. Não estou falando de temas mais gráficos como violência ou morte. Falo da autoaceitação.
Não é difícil o leitor se identificar com a protagonista da história, pois por mais diferente que ela possa ser de quem lê o material, tudo que é passado, e principalmente sentido durante a leitura, são coisas que permeiam a vida de todo o ser humano.
Narrativa intensa e inteligente
Quando o assunto é narrativa, Talco de Vidro também acerta em cheio. Além do texto ser econômico e criativo, a própria estrutura segue uma lógica muito parecida com nossa linha de pensamento. Mesmo seguindo uma linearidade, ainda assim possui seus momentos fragmentados e com relances daquilo que é desagradável. Além disso, possui momentos muito bem construídos, gerando clima de suspense gigantesco e quebras de expectativa que dão um brilho a mais à obra.
Sobre o desenho, muitos podem se incomodar. A simplicidade e economia com relação aos elementos colocados em cena, faz com que o quadrinho ganhe um caráter mais simbólico e introspectivo, combinação poderosa e eficaz quando usada em obras desse caráter. A própria diagramação também mostra que o visual foi elaborado em prol da história, sem se sobressair ao texto de modo grosseiro. Aqui, traço e palavra andam de mãos dadas de maneira sofisticada e fluida.
Talco de Vidro é uma das grandes obras da nona arte nacional. Quintanilha consegue dissecar o ser humano e mostrar que, independente do mundo o qual o indivíduo está inserido, a mente vai ditar os caminhos de sua jornada, que muitas vezes é áspera e outras vezes sublime. Não importa o saldo bancário ou o círculo de relacionamentos. O que importa é essa maldita sensação. Isso, essa mesma!