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Surfista Prateado: Parábola – Angústia e solidão cósmicas!

Entre 1988 e 89, o encontro de Stan Lee e Moebius para a realização de uma minissérie em duas partes do Surfista Prateado parecia sinalizar um novo momento de abordagens para os personagens da Marvel, afinal, a concorrente DC ainda colhia os frutos da invasão de roteiristas britânicos e mantinha-se na vanguarda conceitual. Ainda que a casa do Homem-Aranha e cia. liderasse as vendas, o respeito que sua rival conseguiu à época era invejável, e um projeto com uma das maiores figuras dos quadrinhos europeus e mundiais deve ter enchido os fãs de esperança. O Surfista, pelo seu elemento de ficção científica, era um personagem sob medida para a imaginação de Moebius, que certamente contribuiria muito com o texto de Lee, que sempre dependeu demais do poder de narrativa dos desenhistas.

Publicado no Brasil pela primeira vez em 1989, pela editora Abril, em uma edição única, como número 11 da série Graphic Novel, Surfista Prateado: Parábola ganhou agora uma reedição em capa dura pela Panini. Caprichada, com extras que incluem textos sobre o processo de criação da história, esboços de páginas comentados e uma matéria de lançamento, publicada na época pelo informativo Marvel Age. Traz ainda uma galeria pin-ups do desenhista com outros personagens da Marvel. O letreiramento também foi feito de forma a aproximar a versão brasileira da original, já que o próprio Moebius costumava fazer esse trabalho. O melhor é que tudo isso saiu por um preço muito atrativo, R$ 21,90.

O clássico de Jack Kirby!

O clássico de Jack Kirby!

Galactus, nas páginas do Quarteto Fantástico!

Galactus, nas páginas do Quarteto Fantástico!

O Surfista Prateado é, de longe, o personagem mais filosófico da Casa das Ideias. Foi febre nos meios universitários nas décadas de 1960 e 70, entre a efervescência do movimento Hippie, desenhado por Jack Kirby, seu verdadeiro criador, e posteriormente por John Buscema.  O herói encarnava perfeitamente a desilusão de uma juventude frente a um sistema opressor e ignorante, com um toque muito forte de tragédia Shakespeariana. O Surfista surgiu em uma história do Quarteto Fantástico em 1966, como arauto de Galactus, o Devorador de Mundos. Seu trabalho era encontrar planetas para que o gigante se alimentasse da energia deles, destruindo-os no processo. O contato com a humanidade fez com que o viajante espacial se voltasse contra seu mestre, aliando-se ao Quarteto e salvando a Terra no processo, mas o preço foi alto. Galactus foi obrigado a prometer que não mais atacaria o planeta, mas criou uma barreira ao redor da nossa órbita que impedia apenas o Surfista de atravessa-la, e assim o personagem ficou preso em um mundo que não o compreendia e o hostilizava. Não é isso que todo adolescente sente em algum momento?

A origem!

A origem!

Na fase de John Buscema, o personagem mergulhava em monólogos tristes.

Na fase de John Buscema, o personagem mergulhava em monólogos tristes.

Ganhando um título próprio, a origem do personagem foi apresentada e os leitores descobriram que o Surfista era Norrin Radd, um jovem astrônomo do planeta Zenn-La, insatisfeito com o hedonismo de seu povo. Com a chegada de Galactus, Norrin se oferece para a função de arauto em troca de seu mundo ser poupado, então o devorador aceita o acordo e concede o poder que o transforma no Surfista Prateado. Capaz de viajar pelas estrelas em velocidades inimagináveis em cima de sua prancha, dotado de poder cósmico, porém obrigado a deixar sua amada Shalla-Bal para trás. Misto do Starman cantado por David Bowie com Jesus Cristo, o personagem em suas aventuras solo ganhou uma dimensão trágica maior, sustentada por esse amor impossível e um ar de anjo caído, com uma nobreza que a raça humana certamente não merecia ter entre seu meio.

Em meados da década de 1980, a barreira que prendia o Surfista foi anulada. É evidente que um dia o apelo do impedimento de voar pelo universo se perderia, mas não há como negar que liberta-lo tirou muito daquilo que fazia a série especial. A partir daí, talvez o melhor momento do personagem tenha sido mesmo a história de Stan Lee e Moebius, em parte também por haver sido publicada através do selo autoral da Marvel, Epic, e não fazer menção alguma ao restante do universo compartilhado da editora, deixando a narrativa como alternativa na cronologia.

Uma nova abordagem visual!

Uma nova abordagem visual!

O roteiro de Parábola se situa em em um futuro distante, com Galactus retornando à Terra. Desta vez ele se proclama como uma divindade a ser adorada, anunciando que não existem restrições morais e que todos devem fazer o que quiserem. Aceitando o gigante como seu verdadeiro deus, a sociedade entra em colapso e começa a se auto-destruir, enquanto um pastor oportunista usa o aparato de sua igreja para proclamar-se profeta de Galactus. Um retrato alegórico de uma situação a qual nos acostumamos a testemunhar no mundo real. A situação faz com que o Surfista Prateado se revele, tendo vivido escondido na Terra por não se sabe quanto tempo, e novamente ele terá que enfrentar seu ex-mestre, mas agora impedindo o ser humano de causar seu próprio fim.

Aqui, o personagem é retratado com todas as suas características marcantes. Embora a barreira que o prendia não seja citada, entende-se que existe algo que o mantém na Terra. A veia messiânica também é forte, pois o Surfista não desiste de tentar trazer um pouco de juízo à humanidade, sem pedir nada em troca, mesmo que seja constantemente atacado e desprezado. Galactus, por sua vez, faz o papel inverso, pois usa o ardil retórico de que não está quebrando sua promessa de não prejudicar a Terra, explicando ao Surfista que nunca disse que não iria incitar os humanos ao caos.

Impecavelmente ilustrado, o Surfista de Moebius traz sua marca. O cuidado de trabalhar o personagem com um físico atleticamente esguio e ágil, como um esquiador por exemplo, mostra que um artista excepcional sempre pode trazer algo de novo mesmo onde parecia não haver lugar. É uma figura realmente inesquecível, ao lado das versões de Kirby e Buscema. Sobre Galactus, o visual originalmente extravagante do gigante não deve ter sido problema, pois o mesmo já se parece com algo saído dos quadrinhos europeus, portanto, está totalmente integrado à narrativa visual do artista, sempre muito clara, mesmo entre as cenas com muitos detalhes. Qualquer consideração a mais sobre a arte seria redundante.

As falas marcantes do Surfista!

As falas marcantes do Surfista!

Seria fantástico se o texto de Stan Lee fizesse justiça ao grande desenhista que o acompanhou. Existe um grande ponto de partida, mas é óbvio que a fraqueza da minissérie está em alguns momentos de virada do roteiro. Embora a premissa seja de fato muito boa, com personagens bem caracterizados – algo que seria complicado provar se é realmente mérito de Lee – talvez o tamanho da história tenha sido um impedimento para melhor desenvolve-la. A sensação é que as coisas resolvem-se muito rápido e que tudo acaba num piscar de olhos. Ainda assim, nessa correria encontram-se cenas e frases memoráveis, que carregam aquele poder da narrativa visual que nos faz lembrar por que gostamos de quadrinhos.

Infelizmente, apesar de outros esforços artísticos anteriores isolados naquela década, a novidade de Surfista Prateado: Parábola no fim dos anos 80 acabou ficando por ali mesmo. A indústria rendeu-se ao pior momento criativo nos anos seguintes, seguindo uma moda que ainda tem o poder de influenciar (mal) esse mercado. De qualquer jeito, o relançamento da história é oportuno, pois também nos lembra que um personagem, para ser interessante e carismático, não precisa ser um matador violento mal-encarado.

Acho que isso já vale por tudo.

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