Depois de Rastejando dos Escombros e A Pintura Que Devorou Paris, chegamos ao terceiro encadernado da Patrulha do Destino, o super grupo mais estranho da DC (ou seria dos quadrinhos de super-heróis em geral?). Caso você não tenha lido os anteriores, uma breve explicação se faz necessária, pois o uso do adjetivo “estranho” não é por acaso ou exagero. Apelando para o conhecimento cinéfilo do leitor, imagine os cineastas David Lynch e Alejandro Jodorowsky concebendo uma HQ super-heroica, vez ou outra pedindo palpites para Salvador Dalí. Essa é uma imagem, mais ou menos, próxima do que Grant Morrison criou em um dos seus primeiros trabalhos nos EUA.
Em Rua Paraíso Abaixo (Down Paradise Away), encadernado que contém as edições 35 a 41 da revista Doom Patrol, temos as melhores histórias republicadas até aqui pela Panini. Quando repaginou a equipe, Morrison trouxe de volta Cliff Steele (o Homem-Robô), o líder cadeirante Niles Caulder e Homem-Negativo (agora na figura andrógina de Rebis), entre outros. Também usou os eventos da mega saga Invasão, recente naquele final de década de 1980, para explicar a presença de outros tão disfuncionais quanto esses, talvez até mais, como Crazy Jane e a menina Dorothy. É possível afirmar com segurança que, após mais de dez edições desenvolvendo os personagens, a série chegou neste ponto muito mais dinâmica e interessante, melhorando o que já estava muito bom.
Longe de tentar explicar premissas tão lisérgicas quanto às que o roteirista escocês criou nesta revista, é melhor procurar expor os detalhes que valorizam este trabalho. Se, até então, quem já acompanhava a série havia encontrado, entre outras coisas, referências fortes ao surrealismo, dadaísmo, contos de fadas e a um tipo de escrita não linear, muito comum na literatura, mas novidade nos quadrinhos mainstream da época, aqui o fluxo de imaginação do escritor chega a surpreender. Conhecemos Danny, A Rua (exatamente isso, uma rua senciente), que precisa da ajuda da Patrulha contra Sr. Jones, o sujeito mais normal do mundo, que combate tudo que é excêntrico. Flex Mentallo – aquele mesmo da HQ desenhada por Frank Quitely – também dá as caras, iniciando uma trama que ainda vai evoluir nas próximas edições.
No arco mais interessante da edição, a Patrulha do Destino também se vê envolvida em uma guerra entre duas raças alienígenas, mas descrito assim parece comum demais. Grant Morrison destila toda loucura possível, misturando conceitos de espaço-tempo, religião e aproveitando para dar uma mensagem nada previsível, ou piegas, sobre a insensatez dos conflitos bélicos.
Essa metralhadora conceitual faz com que algumas pessoas considerem a série como algo incompreensível, o que ela de fato não é, mas é realmente difícil acompanhar o fluxo de informações. Outro defeito que um ou outro pode apontar é a conveniência da quantidade de poderes – alguns surgindo como Deus Ex Machina – da personagem Crazy Jane. No entanto, a proposta clara é a quebra de paradigmas e o experimentalismo, então é melhor encará-la como um filme dos já citados Lynch e Jodorowsky, onde a experiência é mais importante do que uma interpretação mais cartesiana. Para quem se interessa por simbolismos e referências de fora dos quadrinhos, é um banquete.
Não apenas Morrison estava então mais à vontade com a bizarra equipe. A arte de Richard Case tem uma bela melhora neste momento, mostrando um desenhista mais seguro e detalhista do que antes, com uma narrativa aprimorada. Uma das edições tem o bem vindo reforço de Kelley Jones, cujo traço já era reconhecível na época, além de adequado para esse tipo de história. Precisamos falar das capas de Simon Bisley?
Patrulha do Destino – Rua Paraíso Abaixo é uma grande leitura, sobretudo para quem já curte Grant Morrison e não teve acesso a este material. Se for o seu caso, ou se você é apenas alguém que procura algo que fuja do comum, compre logo os três encadernados. A única queixa é sobre o papel pisa brite e o preço de R$ 24,90, mas não basta para tirar uma classificação máxima.