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Parker: O Caçador – Violência com muito estilo!

Você conhece heróis. Você conhece vilões. Você conhece anti-heróis. Mas o mundo não é preto no branco. É feito de tons de cinza e alguns destes tons são mais escuros do que outros. Cinza escuro, como a cor dos cigarros incessantemente fumados por Parker… E se você o conhece, sabe que é melhor evitar a escuridão que ele traz consigo.

Parker

Perdoem a fleuma, mas é difícil não se envolver quando se tem em mãos uma adaptação de um dos melhores personagens da literatura de crime, escrito por um dos mestres do tema, Richard Stark, um dos muitos pseudônimos de Donald E. Westlake. Além disso, magnificamente desenhado por Darwyn Cooke, um dos melhores e mais estilosos desenhistas dos quadrinhos da atualidade. A Devir publica agora, com algum atraso, uma das melhores adaptações literárias em quadrinhos que vimos nos últimos tempos, surgida da união desses dois talentos.

Donald E. Westlake, que utilizava o pseudônimo de Richard Stark!

Donald E. Westlake, que utilizava o pseudônimo de Richard Stark!

Não por acaso, Cooke trabalhou diretamente com Westlake na produção do álbum, o que garantiu não apenas uma fidelidade quase absoluta ao texto da obra original, mas também a ambientação da HQ na época do lançamento do livro, 1962. Isso porque o personagem já foi levado aos cinemas algumas vezes, encarnado por alguns dos atores mais casca-grossa de cada época, como Lee Marvin em 67, Mel Gibson em 99 e mais recentemente, Jason Statham em 2013. Porém, mesmo com todas essas adaptações já feitas e a consagração do personagem em outras mídias, Cooke decidiu trabalhar em cima desse “não-herói.” No caso, o diferencial seria não apenas a benção de Westlake, mas um respeito absoluto pela obra original, já que seu autor acompanharia todo o processo.

O artista Darwyn Cooke!

O artista Darwyn Cooke!

Uma decisão acertadíssima. A amoralidade de Parker funciona muito melhor entre os cigarros, sobretudos e a misoginia que ainda caracterizavam o período. Afinal, quando falamos de uma história noir, nos sentimos mais confortáveis quando os personagens aparecem com seus chapéus e tommy guns. De preferência, em branco e preto, com uma soturna narração em off. Parker – O Caçador tem tudo isso, e um pouco mais. Mas, infelizmente, Westlake não pôde ver o resultado dessa parceria, pois faleceu em 2008, sem o prazer de ver o trabalho de Cooke finalizado, lançado originalmente em 2009. E que trabalho!

Jason Statham na última encarnação cinematográfica de Parker!

Jason Statham na última encarnação cinematográfica de Parker!

Os desenhos caem como uma luva sobre o texto de Westlake. O estilo peculiar do desenhista é potencializado pela ambientação da HQ, respeitando as principais características narrativas do texto original, na forma de linguagem de quadrinhos. Não apenas isso, Cooke soube com precisão quando adaptar o texto apenas na forma de quadrinho, quando inserir os diálogos e, nos momentos mais belos da obra, deixar o texto correr livre em paralelo a sua arte. O resultado é uma história de 140 páginas que parece durar apenas 10, tamanha a fluidez dos desenhos e intensidade da trama. Você lê e – de repente – já está se lamentando porque acabou. A marca dos grandes escritores, com a marca do talento de um dos mais admiráveis artistas desta indústria.

Parker o Caçador

Na verdade, essa representação gráfica só valoriza um personagem já interessante. Sua história se estende pelos 24 livros escritos por Westlake, e a HQ adapta apenas a primeiro deles, O Caçador. Nele somos introduzidos a essa figura marcante, que nos atinge como um de seus socos, direto no queixo. Ele chega a essa Nova York dos anos 60, sem nada nos bolsos, mas com muito em mente: se vingar de sua ex-mulher, de seu ex-parceiro de crime e recuperar a grana que lhe é de direito. Mas a ética particular de Parker exclui qualquer rótulo de herói ou vilão. Ele fará tudo o que é necessário para atingir seus objetivos, mas não mais do que o necessário. Se for preciso, entretanto, instaurar um pandemônio na vida de cada criminoso de Nova York, que assim seja. É apenas trabalho. Para pessoas com a moralidade mais sensível, Parker é um assassino frio e calculista. Mas aqueles, digamos, mais “racionais”, verão Parker como um homem prático e objetivo, e aqueles que ficaram pelo caminho apenas tiveram aquilo que mereciam.

Parker O Caçador

Essa é um dos grandes atrativos desse personagem e do universo que o envolve. Como dito no primeiro parágrafo, o mundo não é preto no branco, e o mundo que envolve Parker leva essa máxima ao pé da letra, pois não existem simplesmente bons e maus, mas – quando muito – algumas vítimas. Muitas, na verdade, porque não é apenas o protagonista que vai fazer o que é necessário para conseguir o que ele quer. Na vida fora-da-lei, ou você mata ou morre. Praticamente todos os envolvidos nessa história pensam e agem da mesma forma, e fariam exatamente o que Parker faz, se pudessem. A diferença, em relação aos coadjuvantes da trama, é que seu sangue é mais frio e sua mão mais pesada.

Parker O Caçador

Um elogio deve ser feito ao lançamento da Devir aqui. A escolha do papel sépia amarelado, que por si só já carrega um ar “clássico”, valoriza ainda mais o contraste do jogo de luz e sombras feito por Cooke na obra. É inevitável não sentir todo peso do rastro de desgraça deixado pelo protagonista na história, quando estamos imersos nessa Nova York tão sombria e hostil que ele habita. O leitor acaba por sentir-se em uma prisão na forma de quadrinhos, onde seu parceiro de cela é o pior que você poderia esperar. A escolha do material também valoriza ainda o ritmo intenso da ação, que torna ainda maior a sensação de claustrofobia, em determinado ponto nos sentindo nós mesmos perseguidos por Parker. Uma obra de gênios,  cuja capa dura ainda deixa a obra mais bonita na sua estante.

Parker O CaçadorA única ressalva que poderíamos fazer é sobre o próprio tema da HQ: trata-se de uma obra de gênero. Se você não gosta do gênero policial, esperando uma história de conteúdo e personagens de motivações complexas, esqueça. Tudo que envolve Parker é tão claro e objetivo quanto o próprio personagem. Westlake com certeza aprovaria. Concluindo, Parker – O Caçador é uma boa adição à sua coleção, baseada em um material literário de qualidade, e desenhada belissimamente por um grande artista. Diversão garantida nas mãos frias de um ladrão nada charmoso, mas muito profissional.

Acompanhe-o… Se tiver coragem!

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