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O Perfeito Estranho – Precisamos falar sobre Bernie Krigstein…

Bernie Krigstein, um desbravador das HQ’s

No campo das Histórias em Quadrinhos, uma mídia tão marginalizada em seus primórdios e que até hoje sofre algum preconceito, é bem comum que gênios levem algum tempo para serem reconhecidos. Às vezes, é até um reconhecimento póstumo. Bernard Krigstein (1919 – 1990) chegou a testemunhar a influência de sua obra, mesmo que décadas depois, mas não foi o bastante para alguém com tamanho talento e empenho. A coletânea das HQ’s que ele ilustrou, O Perfeito Estranho, lançada pela Veneta, faz hoje a justa homenagem a ele.

Compre clicando na imagem abaixo!Resenha de O Perfeito Estranho - Bernie Krigstein (Veneta)

O álbum é uma versão nacional da edição Master Race And Other Stories, da Fantagraphics Books, cobrindo a passagem do desenhista pela lendária EC Comics. Não por acaso, uma editora a conceder mais liberdade criativa aos artistas, entre as décadas de 1940 e 50. Caso você nunca tenha ouvido falar de Krigstein e, ao ver o nome do encadernado original, lembrou do subtítulo de O Cavaleiro das Trevas III, trata-se de uma homenagem feita por Frank Miller àquela que é considerada a HQ mais importante dos EUA, publicada em 1955.

Sobre o motivo de tanto alarde, antes de comentar os méritos artísticos de Master Race, traduzida como Raça Superior, é bom citar um caso específico. Falando em Miller e o Cavaleiro das Trevas original (de 1986, o único que vale), a contra capa de O Perfeito Estranho traz a declaração do autor sobre o paralelo entre seu trabalho e o de Krigstein: “Não há paralelo. Ele veio primeiro e eu o imitei”. Isso, dito por ele e naquela época, tem um peso enorme.

Sofisticação no traço e na narrativa

Como muitos de seus contemporâneos, Bernie Krigstein entrou nos quadrinhos encarando isso como um trabalho menor, unicamente pela remuneração. A diferença é que esse processo foi para ele uma revelação do potencial desta mídia, algo que pouquíssimos vislumbraram naquela época. Quase ninguém entendia como um literato com formação em História da Arte poderia se encantar e esforçar-se tanto por aquilo, o que cria uma similaridade com outro artista, só que muito mais reconhecido e bem sucedido comercialmente: Will Eisner.

Além de um detalhamento refinado, a EC permitiu ao desenhista exercitar seus dons narrativos em composições inéditas até então. Não sem atritos, é claro, já que ele sempre discordava da diagramação e lay-outs propostos nos roteiros, aumentando por sua conta o número de quadros com propósitos dramáticos bem definidos. O tempo era alongado como a câmera lenta no cinema, além de trabalhar painéis sem onomatopeias ou falas, o que parecia um pecado nas outras HQ’s da época. Principalmente, as de super-heróis.

Resenha de O Perfeito Estranho - Bernie Krigstein (Veneta)

A evolução do pioneiro, trabalhando com roteiros, em sua maioria, do editor Al Feldstein, pode ser conferida e apreciada em O Perfeito Estranho, que organiza as HQ’s em ordem cronológica. Evidente que nem sempre ele teve textos brilhantes em mãos, mas as histórias menores também nos ensinam algo em matéria de narrativa visual e o quanto um desenhista pode contribuir para valorizar um roteiro. Entre as histórias tradicionais de crime, suspense e ficção científica que marcaram a editora, são cerca de trinta na coletânea, uma adaptação de Ray Bradbury – A Máquina Voadora – chamou atenção do próprio autor pela sua qualidade.

A restauração da arte em preto e branco permite aos leitores analisar a qualidade do traço e a versatilidade de Krigstein, que, por sinal, não acreditava em estilo, mas em adaptar-se às necessidades de cada roteiro. Implorando por mais páginas para ilustrar Raça Superior, chegou a sacrificar parte de seu pagamento. Queria doze páginas, ao invés das seis de costume. Conseguiu oito, o que bastou para atingir seu ponto culminante como criador e deixar um clássico para a posteridade.

A HQ ficou meses na gaveta dos editores pela dificuldade em encaixá-la na programação. Quando saiu, a indústria já amargava a paranoia anti-quadrinhos e a criação do famigerado Comics Code, o que destruiu as ambições de Bernie Krigstein para os Quadrinhos. Entre elas, publicações de histórias mais longas, sem a limitação das publicações mensais, incluindo adaptações de clássicos da literatura. Fahrenheit 451, inclusive. Tudo isso muito antes do advento Graphic Novel.

Resenha de O Perfeito Estranho - Bernie Krigstein (Veneta)

Admiradores dos Quadrinhos precisam ter O Perfeito Estranho em sua estante

É possível que ler a segunda metade de O Perfeito Estranho cause alguma melancolia, pois percebemos a compreensível perda de disposição do artista, que amargamente deixaria os Quadrinhos no início da década de 1960. Ainda assim, também são testemunhos de alguém que lutou pelo que acreditava e ainda é capaz de inspirar as novas gerações de criadores.

Contando com vários textos explicativos e críticos, o álbum da Veneta é uma verdadeira aula. O enfoque pode ser em uma única personalidade, mas consegue deixar claro todo um contexto para qualquer interessado naquele período. Pelo seu caráter informativo, merece ser indicado junto a obras de pesquisa como Homens do Amanhã e Marvel Comics: A História Secreta. Claro que isso é um bônus muito bem vindo, mas o que importa mesmo é celebrar e divulgar o legado de Bernie Krigstein.

Ainda que o título da edição nacional contenha uma leve ironia sobre sua pouca notoriedade entre a massa de fãs de HQ’s, ao mesmo tempo, faz um belo serviço para mudar essa condição.

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