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O Matrimônio de Céu e Inferno – Abrem-se as portas da percepção!

Inspirada em William Blake, O Matrimônio de Céu e Inferno provoca os sentidos do leitor

Que atire o primeiro clássico quem nunca cheirou um livro antes de iniciar sua leitura. Esse gesto comum aos amantes da literatura ganha um significado extra diante da HQ O Matrimônio de Céu e Inferno, da dupla gaúcha Enéias Tavares (de A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison) e Fred Rubim (de Cão Negro), lançado pela AVEC Editora. Isso porque a inspiração veio do poeta e gravurista inglês William Blake (1757 -1827), um eterno questionador da religiosidade e que acreditava que a arte deveria abrir as portas da percepção. Ou seja, provocar nossos sentidos não apenas por meio das imagens e palavras, mas também pelo toque e pelo cheiro.

Resenha O Matrimônio de Céu e Inferno

Tavares, que atua como professor e estuda a obra de Blake há décadas, começou a idealizar a HQ em 2017 como forma de unir, em uma mesma publicação, o conteúdo e a forma propagada pelos versos e gravuras do inglês, considerado um dos primeiros artistas independentes, já que produzia e comercializava seus próprios livros. Não com sucesso, infelizmente. Hoje, a cultura pop se apropriou de muitas das criações de Blake e não são poucos os músicos, escritores, cineastas e quadrinistas que assumem ter bebido em sua fonte erótica e violenta. Blake é pop, quem diria.

Mas como prestar uma homenagem e ainda ter espaço para a criação de algo novo em uma única obra? Enéias Tavares responde pegando os anjos caídos e as serpentes do inferno pela mão e as transformando em quatro personagens diferentes em seus cotidianos, mas semelhantes no caos solitário que é a vida na metrópole. Um matador de aluguel, uma prostituta, um pastor corrupto e uma artista plástica que vende drogas para bancar sua arte sobrevivem em São Paulo.

Tavares, que já homenageou em seus livros anteriores Porto Alegre e também Santa Maria, cidades gaúchas que fazem parte da sua história, agora pisa no asfalto paulistano com os dois pés. Na cidade que assusta e fascina na mesma medida, a alma blakeana está em cada esquina. E também em cada quadro desenhado por Fred Rubim.

Resenha O Matrimônio de Céu e Inferno

Traço punk rock

A trama de O Matrimônio de Céu e Inferno começa como um bom primeiro encontro. A apresentação dos personagens revela mais do que as aparências demonstram, mas ainda preserva alguns mistérios. Após as primeiras páginas, passamos a ser guiados pelos versos de William Blake que, mesmo criados há séculos, parecem terem sido feitos para os quatro protagonistas do quadrinho. E nessa dança, onde estamos ora nas ruas do centro de São Paulo, ora diante do ácido quente que molda as gravuras de Blake, entramos no ritmo do traço simples, mas nunca simplório que Fred Rubim imprime nas páginas, em especial às dedicadas aos devaneios do poeta da percepção.

Durante a primeira edição da Universidade em Quadrinhos, organizado por Tavares, Lielson Zeni e Maria Clara Carneiro, que rolou em Porto Alegre no começo de maio, Rubim falou um pouco sobre o processo criativo de O Matrimônio de Céu e Inferno e definiu seu trabalho usando sua veia musical (para quem não sabe, ele já integrou diversas bandas e hoje comanda a guitarra e o vocal da Brinquedo Velho). Seu apreço pelo punk rock, onde o arranjo serve à melodia, sem grandes virtuoses, invade seus desenhos. Eles colaboram com o roteiro da HQ, complementam a história, jamais ficam acima ou abaixo dela. Um traço punk rock que Blake iria adorar, com certeza.

Resenha O Matrimônio de Céu e Inferno

Seja você um iniciado nos escritos de William Blake ou alguém que vai fazer de O Matrimônio de Céu e Inferno a porta de entrada para esse novo mundo, prepare-se para cerca de 90 páginas precisas, divertidas, violentas, sensuais e com detalhes referenciais a outras obras que também foram inebriadas pelo aroma alucinógeno e inesquecível do fruto proibido que Blake ofereceu ao seu tempo e tornaram-se eternas. Após esta experiência, ainda vai poder acalmar os ânimos com extras que mostram algumas etapas da criação da HQ, assim como um guia de referências para o leitor explorar ainda mais o universo blakeano impregnado na música, nos filmes, nos livros e, é claro, nos quadrinhos.

O Matrimônio de Céu e Inferno está nas livrarias, mas também acontece todos os dias. Na esquina da nossa casa ou do outro lado do planeta. Humanos são bichos esquisitos, apesar de fazerem de tudo para parecerem normais. Nós, leitores de quadrinhos e amante das artes, sabemos disso e não fazemos questão de esconder. Fazemos graça e novas obras desse conhecimento. Pobres mortais que mantém suas portas da percepção fechadas à sete chaves. Estão perdendo o melhor da festa. E vivendo o pior dos infernos.

 

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