Chega às lojas o novo volume encadernado de Novíssimos X-Men, com o arco Criando Raízes (Here To Stay), escrito por Brian Michael Bendis e desenhado pelo ótimo Stuart Immonen e David Marquez. A HQ segue o arco apresentado no primeiro volume, em que o Fera decide, por uma estratégia questionável, encerrar a tensão que pode levar a uma guerra civil mutante , ou – ao menos – reequilibrar as forças com as fileiras crescentes do agora revolucionário – ou terrorista, dependendo de como você interpreta – Ciclope.
A tal estratégia foi voltar no tempo e buscar nada menos do que a formação original dos X-Men, contando com as versões clássicas de Jean Grey, Anjo, Fera, Homem de Gelo e, claro, o próprio Ciclope. A intenção era mostrar à população mutante o ponto de onde partiram para ter uma perspectiva de onde eles chegaram. O que, por si só, é uma boa intenção, visto que eles estão tão longe quanto poderiam estar dessa formação, que era inocente, idealista e inspiradora, pois é o momento em que a população mutante passa pela maior crise de sua história, onde as definições maniqueístas de heróis e vilões sumiram, devido ao caráter e as escolhas nebulosas realizadas por praticamente todos os personagens mutantes.
Entretanto, como diria o outro, de boas intenções… o amigo leitor já sabe. E as principais vítimas dessa malfadada estratégia do Fera são os próprios X-Men originais. Bendis usa com habilidade essa ideia velha em HQ’s – quanto mais longe do seu próprio tempo, mais deslocado você se sente, além de mais longe do seu desenvolvimento original você fica. Se a ideia era inspirar as novas gerações nesse período de dificuldade, com a equipe que carregava sozinha nas costas o ideal de coexistência e pacifismo mutante de Xavier, o que o Fera conseguiu foi fazer a antiga versão de sua equipe quase surtar. Nenhum deles consegue compreender ou sequer aceitar plenamente a ideia do que os mutantes se tornaram.
O golpe mais forte vem, como sempre nesses últimos tempos, na cabeça do jovem Ciclope. Confrontado com aquilo que se tornou – basicamente, o assassino do maior pacifista mutante que já existiu, seu mentor e praticamente pai – o imberbe Summers fica à beira de um colapso. Mas nenhum de nós lhe tira a razão, afinal, o cenário é desolador. Entretanto, é essa mesma condição que levanta a maior questão do volume, quando Bendis fomenta um debate interessante – Ciclope, que durante a maior parte da história mutante carregou o estandarte da causa mutante e pagou caro por isso, não merece ao menos o benefício da dúvida? Pois é sabido que ele estava sob controle da força Fênix – a despeito de qualquer escolha que ele mesmo possa ter feito.
Ciclope alega que durante todo esse tempo recente – notadamente desde o extermínio mutante provocado pela Feiticeira Escarlate – fez o que deveria ser feito para salvar sua espécie. Seus opositores dizem que esse argumento não é diferente daqueles usados pelos racistas para detratar a existência mutante desde a juventude do próprio Ciclope. O debate sobre a questão dos mutantes permanece tão inflamado e – fora do universo das HQ’s – tão atual quanto sempre. Fato é que, enquanto os interessados discutem e se digladiam, agentes livres, como Mística, pretendem usar a confusão a seu favor.
Bendis consegue, de maneira concisa, retratar bem o contexto de praticamente toda sociedade quando esta entra em desacordo sobre algum tema – os debates inflamados entre os idealistas, aqueles que só querem que o conflito se encerre de qualquer forma, os aproveitadores que usam o caos a seu favor. Entra ano, sai ano, independente da qualidade das revistas – que oscila MUITO, embora essa fase em particular da Nova Marvel não seja o caso – o conceito que envolve os X-Men permanece atraente é capaz de inflamar debates. Os desenhos ajudam bastante, e a arte de Immonen e Marquez dão boa sustentação para o texto de Bendis. Mas é a ideia que envolve os mutantes sempre o mais interessante.
A questão que aproveitamos para por aqui é: Bendis é um tremendo escritor. Habilidoso, tem um domínio da disposição dos quadros e um timing para a narrativa que poucos tem. Entretanto, quase não vemos trabalhos autorais dele, enquanto ele está preso por contrato a confusa e banal continuidade da editora. Não seria mais interessante dar ao escritor espaço e esperar por algo no nível de Marvels? É frustrante ver bons escritores fazendo apenas o feijão com arroz nas duas grandes por conta das intermináveis e enfadonhas mega-sagas, retcons, Nova Novíssima Novona isso, Novos Rebirths aquilo…
Ranhetices do escriba à parte, o volume é interessante, embora não seja nada de excepcional. A Panini, mais uma vez, dá preferência aos encadernados da Marvel para receber um tratamento de luxo, com capa dura e direito a alguns extras bacanas. Nesse formato, não cansamos de reforçar, o preço sugerido que gira em torno de 25 reais é aceitável. O que é questionável ainda é a decisão de não lançar esses arcos inteiros em um volume só – tenha piedade dos nossos bolsinhos, Dona Panini. Uma edição para colecionadores ou pessoas sem paciência para os volumes mensais.
Tudo depende do seu bolso – se o seu dinheiro, assim como os mutantes, está em extinção, pense duas vezes.