É sempre necessário avaliar um trabalho sob a luz da época em que foi produzido. No caso de Next Men, essa discussão não diz respeito apenas à qualidade geral, mas como o mercado se comportava na ocasião e como reage agora. O fato desta série, que chegou há pouco no Brasil, ter sido interrompida há mais de uma década e retomada por outra editora poucos anos atrás, faz com que a reflexão sobre a indústria seja tão pertinente quanto os quesitos artísticos. O que torna tudo mais interessante é que o criador, responsável pelos roteiros e desenhos, é uma figura bastante controversa no cenário há bastante tempo, conhecido pelo temperamento radical, mas nem por isso menos importante ou talentoso. Uma personalidade dos quadrinhos que conta com uma legião de fãs, mas também com grupo considerável de desafetos e detratores; John Byrne.
No início da década de 1990, Byrne já havia escrito seu nome na história dos comics. Responsável – com o roteirista Chris Claremont – pelo estouro dos X-Men a partir do fim da década de 70, a construção da personalidade de Wolverine e sua subsequente popularização parecem ser consequência da sua influência direta, pois o escritor e artista, embora nascido na Inglaterra, é naturalizado canadense. Começou a construir sua fama de briguento no fim desta parceria. Posteriormente, declarou que sua participação nas histórias era maior do que se pensava e que em seu último ano no titulo, os roteiros eram 85% dele. A seguir, assume roteiro e desenhos de outro super-grupo símbolo da Marvel, O Quarteto Fantástico, cuja fase sob seu comando é considerada a segunda melhor de todos os tempos, perdendo apenas para a de Jack Kirby. Ainda na Marvel, trabalha no título da equipe canadense Tropa Alfa, surgida nas páginas de X-Men – onde criou o polêmico homossexual Estrela Polar – antes de ser cooptado pela Distinta Concorrência para recriar o primeiro super-herói dos quadrinhos.
O Superman de John Byrne, reformulado desde a origem, divide opiniões. Foi uma época em que a DC era de fato mais ousada, mas Byrne alegou, após sua saída, que a editora fazia mais questão de ter um nome quente, como era seu caso na época, trabalhando no título do que realmente dar mais liberdade a ele, aceitando novas ideias. Mais polêmica no ar e sua imagem de problemático se fortalecia. Isso não impediu um retorno à Marvel, em personagens menores como Mulher-Hulk e Namor, sempre fazendo questão de balançar a estrutura e mitologia próprias dos personagens. Começa a década de 90, um período complicado para os quadrinhos de super-heróis, e é então que finalmente surge o assunto principal da nossa matéria.
Segundo o prefácio da própria edição encadernada, de autoria do próprio Byrne, os conceitos de Next Men nasceram de um convite de Stan Lee ao artista, para que bolasse um futuro distante do Universo Marvel, lançando uma nova série alternativa. Ao que parece, houve promessas demais para o que se revelou mais um caso em que não haveria liberdade criativa. Isso e a propriedade sobre o trabalho do artista eram queixas gerais dos profissionais da área sobre as grandes editoras, e com a personalidade que tinha, era natural que John Byrne procurasse novos caminhos, como muitos outros artistas naquele momento. A saída eram as editoras menores, como a Dark Horse, que aceitou publicar a nova criação. Com as adaptações necessárias, a história previamente elaborada no projeto abortado da Marvel acabou se tornando 2112, uma espécie de apresentação da nova super-equipe Next Men, cuja história se desenrolaria depois em um título mensal próprio, entre 1991 e 94.
Agora sem as amarras de uma grande empresa, Byrne pôde aproveitar o tão sonhado controle sobre os rumos do roteiro. O próprio nome já parece algum tipo de provocação dirigida à Marvel e ao título que alavancou sua carreira, mas não fica apenas nisso. Em NM, há similaridades também no conceito de heróis problemáticos que estão mais para aberrações, o que faz pensar se isso também não é uma espécie de recado, mais ou menos como “Vejam o que eu poderia fazer se vocês permitissem”. Realmente, é preciso admitir que neste trabalho o artista parece bem à vontade, o que faz muita diferença no resultado final. Embora, essencialmente, a série seja exatamente isso que já deu a entender – X-Men numa pegada mais adulta – e ainda que seja possível lembrar algumas outras coisas utilizadas em sua passagem pelo Quarteto Fantástico, por exemplo, a oportunidade de ambientar esses personagens em um mundo menos juvenil e mais violento e cínico, torna a trama mais palatável para os leitores de hoje.