Adaptação em HQ do conto de Stephen King é Terror no melhor sentido da palavra
O nome Stephen King (Jogo Perigoso) é uma grife incontestável para os fãs do gênero Terror. Até mesmo fora da literatura, já que as adaptações de seus romances e contos atraem uma atenção considerável só pela associação ao seu nome. O problema é que, no meio de tantas iniciativas assim, poucas se destacam pela qualidade geral e tentam emplacar apenas pelo autor, independente do grau de fidelidade ao original. Óbvio que vez por outra aparece um acerto e N. é um desses casos, sem a menor dúvida.
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Uma iniciativa multimídia que desdobrou-se entre 2008 e 2010, o conto original (parte da coletânea Ao Cair da Noite) gerou uma websérie animada e, posteriormente, a HQ. Sob o selo da Marvel, a publicação nacional ficou por conta da DarkSide, enriquecendo ainda mais seu catálogo. Sob a supervisão do próprio King, Marc Guggenheim escreveu o roteiro do álbum, contando com a arte de Alex Maleev (Demolidor: O Rei da Cozinha do Inferno), também responsável pelos episódios animados.
O roteirista já tinha um excelente material para adaptar e soube aproveitá-lo como ninguém. N. nos apresenta uma cadeia de acontecimentos que envolvem o distúrbio conhecido como T.O.C., aquele tipo de classificação que adoramos usar em pessoas organizadas demais, beirando a obsessão. Pois bem, o personagem que nomeia a história, assim referenciado por seu psiquiatra, é alguém sofrendo desse mal, que surgiu depois de visitar uma área do Maine com sete estranhas rochas monolíticas. Ou seriam oito?
Como o Transtorno Obsessivo Compulsivo também envolve manias referentes a números “bons” ou “ruins”, ele é afetado de alguma forma pela incerteza numérica sobre as rochas, o que vai cada vez mais se enfronhando em seu cotidiano até seu suicídio. A história é fragmentada e composta de peças como relatórios, artigos e cartas que um personagem escreve para outro, como a que a irmã do Dr. John Bonsaint – psiquiatra de N. – envia para um amigo. Um mistério se estabelece aí, a partir do momento em que o T.O.C. do paciente parece ter sido transmitido ao médico, inevitavelmente apontando para aquele local que já guarda um histórico de eventos bizarros.
Simples assim, hoje em dia virou um clichê detestável usar o termo “lovecraftiano” para qualquer Terror que seja menos explícito. Em N., podemos invocar o bom e velho H. P. sem leviandade, já que Guggenheim conseguiu manter um clima de loucura sutil onde argumento e contra-argumento sobre a influência do sobrenatural contrastam em todas as páginas e, exatamente por isso, mantém os leitores atentos – ou mesmo apreensivos – até o fim. O fato de tratar-se de uma adaptação não diminui o mérito, pois o ritmo é fundamental para que algo com essa ambição funcione.
O roteiro, em sua estrutura conceitual, parece compreender perfeitamente algumas compulsões humanas básicas e usa isso a favor da história. Quem não se sentiria tentado a olhar em um buraco em um muro qualquer, destacado por uma placa de “Não Olhe”? Um exemplo de impulso simples e pueril, mas essencialmente presente no texto, potencializado na busca pela compreensão dos fatos que envolvem tragédias.
A excelência artística de Alex Maleev
O roteiro já estava absolutamente bem resolvido em sua proposta, mas a parte artística não só o valorizou como deu um show à parte. Maleev conseguiu se manter naquela linha tênue entre o fotorrealismo e a estilização, já que também foi o responsável pelas cores. Quem já o conhecia percebe que ele mantém os traços característicos, ainda reconhecíveis de longe, mas em N. ele deu um passo além.
As ilustrações trazem o peso que a história exige, criando a impressão de um mundo abafado e opressor, com cores esmaecidas e ainda assim atraentes, que demoramos a assimilar. As aparições pontuais não comprometem a sutileza, só acrescentam ao clima dominante de confusão e ansiedade um sentimento difícil de definir, como aquele que precede um riso nervoso.
Difícil resistir…
N. pode ter Stephen King por trás, mas é uma realização de peso de Marc Guggenheim e Alex Maleev. É possível que alguns leitores não se entusiasmem tanto pela familiaridade com o hoje tão popular Lovecraft, algo até compreensível. Não existe exatamente nada inovador, original ou diferente de tudo que um bom leitor do gênero já viu, mas conta bastante a coesão textual e a narrativa visual, o que já basta para considerar essa obra como muito bem sucedida.
Além disso tudo, de uma forma quase metalinguística, os elementos que pedem uma atenção especial e os pontos mais nebulosos do texto nos provocam a uma irresistível revisão. Falando nisso, minha edição está aqui ao meu lado e, estranhamente, a capa parece olhar para mim…
Enquanto viajo de novo para o Maine, aproveite uma dose da arte de Maleev com a websérie de N..