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Monstro 2000 AD – Secundário, mas bom!

Monstro 2000 AD apresenta trabalho primevo de grandes nomes da Invasão Britânica

Monstro 2000 AD (chamamos assim para diferenciar de outros trabalhos dos autores) é um daqueles trabalhos legais de grandes autores, que acabou perdido nas brumas do tempo porque seus criadores acabaram mais conhecidos por um grande número de outros trabalhos muito melhores. Afinal de contas, qualquer coisa com o dedo de Alan Moore e John Wagner já vem com um selo de garantia de qualidade – aqui se aplica aquele famoso meme “shut up and take my money” então? Mais ou menos. Depende do quão fanático você é pelos autores, ou o quanto você gosta desse tipo de proposta.

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Porque Monstro não é exatamente um material muito original em termos de texto. Na trama, ao enterrar seu pai abusivo no quintal de sua velha casa, Kenny Corman decide investigar a causa da morte, dirigindo-se ao sótão da mansão. O leitor descobre que o monstro vivendo no sótão é Terry, tio de Kenny, que possui uma deformidade física e a mentalidade de uma criança de no máximo três anos. Criado a vida toda em situação precária e sem sair do sótão, Terry torna-se um fardo para Kenny, após os cuidados do tio serem passados ao garoto de 12 anos por sua falecida mãe. Com um detalhe preocupante: seu temperamento explosivo o faz matar com facilidade qualquer pessoa que venha a incomodá-lo.

Publicado originalmente na Scream! a partir de 1984, e depois continuada pela 2000AD na revista EAGLE, onde foi publicada a maior parte da série – daí o título que usamos na resenha – Monstro parece bastante datado para a época em que foi lançado. Entenda, amigo leitor, que o material de forma alguma é ruim – muito pelo contrário. Mas está muito aquém de algo surpreendente que esperaríamos de um material com tais criadores envolvidos. Criadores esses que, incidentalmente, precisam ser abordados: apenas primeiras quatro páginas desta história, que compõem o primeiro capítulo – a série foi pensada como uma antologia de episódios curtos – foram escritas por Moore, que deu somente o pontapé inicial para a série.

Ao ser substituído pela dupla John Wagner e Alan Grant – não Sam Neill em Jurassic Park, mas o que também escreveu Batman e Etrigan – o roteiro se torna uma espécie de road trip protagonizado por um personagem que é uma espécie de mistura de Quasímodo e o monstro de Frankenstein, junto com seu jovem sidekick. É sim, uma história de horror, mas se caráter episódico, associado a uma certa inocência de roteiro, fazem com que a história pareça algo egresso muito mais de um Vault of Horror da EC Comics do que de algumas das mentes mais brilhantes da Invasão Britânica. De novo, não é nenhum problema parecer um material da EC – na maior parte do tempo, isso é um tremendo elogio, aliás – mas é impossível ignorar o fato de que as histórias parecem bem datadas diante das expectativas.

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Secundária, mas de valor

Mesmo assim, elas fornecem algumas boas reflexões. A condição inata de Terry contrasta com suas reações muitas vezes fatalmente violentas – ou não. Porque, quando paramos para pensar que as explosões de fúria do “monstro” são muitas vezes ou resultado de uma repulsa social baseada em preconceitos estéticos e/ou ignorância, ou consequência da pureza dos sentimentos e atitudes de uma pessoa que permaneceu sua vida inteira isolada da sociedade – e, portanto, completamente alheia às suas convenções – nos fazem pensar se Terry não é, no fundo, um reflexo cru e brutalmente verdadeiro das pessoas com quem eles cruzam; os verdadeiros “monstros” da história. Como todo bom trabalho dos quadrinhos britânicos do período, o bizarro e o fantástico escondem com maestria sutis críticas sociais à hipocrisia, ao preconceito e à ignorância.

Acompanhando o está – aí sim – o grande primor de monstro: a arte. Tanto o italiano Heinzl quanto o seu substituto, o espanhol Jesus Redondo, desfilam classe e a habilidade com a caneta, cada um ao seu estilo – bastante distintos, é necessário frisar. Ambos apresentam um clamoroso domínio de expressões e construção de ambientes, com trovões ribombantes e tempestades que urgem contrastando com cenas internas e macabras de ritmo agonizante, que transmitem com maestria o horror e o suspense quando estes se apresentam; assim como também esbanjam talento no uso do chiaroscuro, não permitindo que, em nenhum momento, o volume de detalhes nos desenhos se confunda ou atrapalhe a leitura.

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O que pesa para o amigo leitor na hora de adquirir o volume publicado pela Mythos aqui no Brasil no passado é o preço: se pensarmos que, quando da sua publicação, Monstro era apenas parte compositora de uma antologia que nem sequer fazia muito sucesso, vendida por centavos na Inglaterra, os quase 65 Reais pedidos pelo volume de cerca de 180 páginas são bem fora da realidade. É um material interessante – como dissemos, mais pelos nomes envolvidos do que pela história em si – mas que não tem qualquer motivo para um tratamento de luxo hiper-caro. Uma capa cartonada, que já abateria aí um valor razoável, estaria de bom tamanho. E eu não sei vocês, mas a mim incomoda bastante estar diante de uma rasteira estratégia caça-níquel.

Por isso, cuidado, amigo leitor. Você vai ver o nome de Alan Moore e John Wagner em letras garrafais na capa – mas é um trabalho muito menor de ambos. E se você tem alguma dúvida, basta pensar nisso: um dos motivos pelos quais Moore não continuou no projeto foi o fato de que ele estava engrenando seu trabalho com outro Monstro, o do Pântano. E ele preferiu continuar com um e não com o outro. Desnecessário explicar mais, certo?

Uma pena. Mesmo depois de todo esse tempo, o pobre Terry ainda é maltratado pelas convenções dos quad… digo, sociais.

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