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Uma Metamorfose Iraniana – Liberdade é…

Metamorfose iraniana

Metamorfose Iraniana

O que é liberdade? Se buscarmos no dicionário, veremos que liberdade é o direito de agir de acordo com a própria vontade, desde que não prejudique outro indivíduo. Também é o conjunto dos direitos de cada cidadão e de ideias liberais. A filosofia classifica, se é que podemos colocar dessa forma, como a independência do ser humano, autonomia e espontaneidade, definições essas que cabem em vários casos que vivemos cotidianamente. É óbvio dizer que a liberdade total é uma utopia, afinal, sempre há algum tipo de restrição – interna ou externa – que vai reprimir o ser humano de uma forma ou de outra. Mesmo assim, ainda conseguimos notar a liberdade em vários aspectos, porém, talvez a definição mais sincera de liberdade não possa ser passada de maneira denotativa.

Uma Metamorfose Iraniana conta um episódio real da vida de Mana Neyestani, um desenhista iraniano que foi detido em seu país devido a uma tira mal interpretada, vendo-se obrigado a fugir de sua Teerã natal. Nascido em 1973, ele formou-se em arquitetura, mas começou sua carreira como desenhista para jornais e revistas culturais no início da década de 1990. Em 99, durante a ascensão dos jornais reformistas no país, Mana foi fichado como desenhista político e obrigado a fazer apenas ilustrações infantis.

Mana Neyestani

Mana Neyestani

Este episódio singular na vida do artista começa em 2006, quando ele desenha um diálogo entre um garoto e uma barata que é publicado no suplemento infantil de um jornal. O problema começou por causa de uma palavra azeri, um idioma turcomano de um grupo étnico presente no norte do Irã e no Azerbaijão, pronunciada pelo inseto. Com isso, este grupo, que há muito havia sofrido opressão do regime central, se sente provocado. A tira infantil acaba se tornando o estopim de algumas manifestações e um pretexto, ainda que forçado, para o início de um levante. Diante dessa situação, o regime do Teerã usa Mana e o editor do jornal, Mehrdad Ghasemfar, como bodes expiatórios e são levados para a prisão 209, uma seção não oficial de Evin, sob a administração do Ministério da Inteligência e da Segurança Nacional (VEVAK).

metamorfose iraniana

A princípio, parece que estamos diante de uma obra que mostrará um drama pesado de um homem que foi preso injustamente e sofreu abusos e torturas dentro da prisão. Felizmente, Mana consegue conduzir a história com bom humor e leveza, inclusive desmistificando muito do terror que poderíamos supor estar contido em uma história desse tipo. Sem pesar na desgraça e nem vitimizar a si mesmo, o autor consegue comover o leitor e passar a sensação de clausura e paranoia.

Com monólogos e diálogos objetivos e simples, a sofisticação do quadrinho se prova com a sensação que nos provoca. Por mais extrovertida e leve que seja a narrativa, conseguimos sentir o desconforto paranoico de não possuir a tão cobiçada liberdade, esta – porém – é um conceito diferente daquele que encontramos nas definições escritas ou faladas. A liberdade em Uma Metamorfose Iraniana não possui uma definição única, sendo necessário sentir para saber.

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A arte, o texto e a diagramação mostram que o autor possui uma inteligência e sensibilidade que contribuem, e muito, para que a narrativa seja original e contundente, tanto no conteúdo quanto no formato. Além de utilizar muito bem traços distintos para mostrar ideias diferentes em um mesmo quadrinho, Neyestani também brinca com os próprios preceitos da nona arte e mostra que o caráter audacioso é inerente a ele. Toda essa metalinguagem é colocada de maneira tão orgânica que algumas coisas mais sutis podem passar despercebidas à primeira vista, o que torna Uma Metamorfose Iraniana uma HQ que vale a releitura de tempos em tempos.

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A personalidade e fisionomia dos personagens também são muito bem trabalhadas. Com expressões faciais alongadas e um texto ácido e distinto, cada pessoa retratada ali possui o teor caricato, digno dos quadrinhos, ao mesmo tempo passando a verossimilhança necessária para uma história real. Essa combinação entre a arte e realidade faz a narrativa ganhar um tom peculiar, destacando-a de outras obras de cunho biográfico, de maneira positiva e carismática.

Além do méritos já citados, Neyestani também acrescenta muitas referências que vão de Kafka a Frank Miller! Utilizadas sem exagero, estão presentes em momentos específicos e se encaixam naturalmente, sem que soem gratuitas. A única coisa um tanto incômoda é o final. Por mais que uma história real pese e limite um pouco essa questão específica da estrutura narrativa, a obra simplesmente se encerra a esmo, obrigando o autor a acrescentar um epílogo para dar a ideia de um fechamento. Como não se trata de uma ficção propriamente dita, esse “problema” de maneira alguma diminui a qualidade da obra como um todo, mas gera um determinado desconforto.

metamorfose

Uma Metamorfose Iraniana é contundente em conteúdo e forma. Com um humor inteligente e uso sagaz das possibilidades dos quadrinhos, é leitura essencial para qualquer um que se interesse pelo estudo de arte sequencial e metalinguagem. Ao final, percebemos que a definição real e sincera de liberdade não é algo que possa ser escrito ou falado, mas apenas sentido.

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