“Uma coisa é certa: eu não sou marxista.” (Karl Marx)
A frase acima não é uma brincadeira ou uma invenção com propósito irônico, mas algo dito pelo próprio na vida real. Aliás, em Marx: Uma Biografia em Quadrinhos, com texto da suíça Corinne Maier e desenhos da francesa Anne Simon, temos um momento em que a fala é encaixada. Na HQ, confirmando amargamente que altas expectativas foram frustradas, o pensador ainda complementa: “Eu quis fundar uma ciência, não uma seita.”. Quem se dispuser a ler o álbum, perceberá que ele pode ter muitos defeitos, mas o maniqueísmo descarado não é um deles.
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Lançado há pouco pelo selo Barricada – da Boitempo Editorial, que também publica os trabalhos de ficção de China Miéville (A Cidade & A Cidade * e Estação Perdido) -, o roteiro de Marx propõe a um passeio bem humorado pela vida do ícone máximo da Esquerda. Em pouco mais de sessenta páginas, a psicanalista Corinne Maier (também autora de HQ’s sobre Freud e Eisntein, inéditas por aqui) intercalou detalhes biográficos e históricos com conceitos mais técnicos do comunismo.
*(o livro também ganhou um vídeo)
O ano de 2018 marca o bicentenário do nascimento de Karl Marx. Por conta disso, parece tratar-se de uma homenagem ao filósofo pela editora brasileira, já que a publicação original é de 2014. Mesmo assim, estamos falando de um roteiro que traz as contradições ideológicas e deslizes de seu biografado, com uma bem vinda ironia consciente. São detalhes que constituem, em alguns momentos, um viés inesperadamente crítico não apenas à pessoa, mas também, de certa forma, ao ideário que ele legou ao mundo e à apropriação de suas ideias.
Mesmo lidando com a melancolia e desilusão em determinado momento, o clima que permeia a HQ é leve e descontraído. Não haveria outro caminho que não o do humor, já que o desenho cartunesco de Anne Simon só poderia servir a esse tipo de intenção. Esse caráter lúdico no didatismo de um conflito histórico garante algum entretenimento e interesse, mas não vai muito além disso. O resultado final é um tanto raso, dependendo da expectativa. Não tanto por conta da simplificação, mas por muita coisa encaixada em pouco espaço.
Para qual público?
Marx: Uma Biografia em Quadrinhos, evidentemente, não tem uma narrativa estruturada em atos para criar algum tipo de catarse nos leitores. As brincadeiras gráficas que ajudam a explicar o pensamento do biografado, quebrando a quarta parede, são divertidas, de fato. Então, o objetivo seria mesmo levar mais detalhes sobre o homem e seu arcabouço filosófico para um público maior? Se o propósito é esse, mirando um público jovem e com pouco conhecimento, o conjunto justifica-se de alguma forma.
No entanto, esse é o verdadeiro problema para o leitor mais maduro. Afinal de contas, não se trata de um material desenvolvido para salas de aula. O adulto interessado no assunto tem fontes mais adequadas e objetivas para isso. Uma parcela que se interessa por arte sequencial também dificilmente se sentirá atraída, já que o máximo que encontrará são cartuns agradáveis em páginas com uma diagramação apenas correta. Sobra ainda o pessoal que já conhece de forma razoável, no mínimo, a obra de Karl Marx. Neste caso, parece certo que a superficialidade pesará muito mais.
A revolução não está no gibi!
Marx: Uma Biografia em Quadrinhos é o tipo de obra cuja ideia é muito melhor que a execução. Apesar das boas sacadas de seu texto, é um roteiro que nem chega a concretizar-se como tal. Não destoa de sua arte, o que também é bom, mas sua parte gráfica também não chega a ser notável. Ou seja, não é ruim, mas isso é pouco para que algo seja recomendável de uma forma geral.
Reafirmando o valor didático para um público em determinada idade escolar, infelizmente, também é preciso levar em conta que a edição não é distribuída gratuitamente…