Ironizando o “american way of life”, Lady Killer tem boas doses de violência gráfica
Atravessar a superfície dos bem organizados subúrbios norte-americanos, lá pelo meio da década de 1950, rende algumas boas tramas. Afinal, parece existir alguma catarse em descobrir que essas fachadas coloridas e perfeitas encobrem pessoas problemáticas, em níveis variados. Essa premissa pode ser desenvolvida em histórias mais dramaticamente realistas ou, virando completamente a chave, no escapismo mais tresloucado. Lady Killer (idem) não está em nenhum destes extremos, contemplando quem procura algum tipo de teor crítico e também quem busca violência explícita. Tudo isso de uma forma irônica, é claro.
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Lançado nos EUA pela Dark Horse e publicado no Brasil pela DarkSide (Cabo do Medo e Floresta dos Medos), já conhecida pela excelência gráfica e superando-se aqui. A luva da edição, com design emulando uma caixa de sabão em pó, contribui muito com a ideia principal ao álbum. A HQ é co-escrita por Jamie S. Rich e Joëlle Jones, esta também responsável pela arte. Josie Schuller é uma típica dona de casa norte-americana de classe média, em plena época do baby boom. Completamente ajustada à sua rotina doméstica, ela vive feliz com um marido amoroso e duas filhas pequenas, mais sua sogra rabugenta.
Um cenário com pouca ou nenhuma liberdade para que uma mulher se expresse, mas Josie tem uma vida dupla, agindo em segredo como assassina profissional para uma misteriosa agência. Quando a encontramos, não existe conflito da parte dela na vida familiar, além dos problemas comuns para encobrir suas atividades fora de casa. Mesmo separando bem esses dois mundos, seu superior considera sua situação desnecessariamente complicada. Claro que Josie acaba encarando um dilema, cuja decisão direciona o roteiro para a clássica situação do agente renegado que precisa salvar-se, virando-se contra seus empregadores. Simples assim.
Nesta premissa, encontramos alguns ecos de Kill Bill com pitadas de James Bond (na figura de Peck, colega de Josie), mais o óbvio conteúdo da mulher subestimada além do que o mundo imagina. É interessante e tem seu charme/apelo, porém, não é preciso olhar muito de perto para perceber algumas rachaduras neste roteiro. Com cinco capítulos compondo o arco deste primeiro volume de Lady Killer, existe uma sensação de incompletude no que se refere, primeiramente, às motivações da protagonista. A ausência de detalhes do pano de fundo de Josie compromete o envolvimento com ela, algo que os próximos números talvez tragam, mas essa apresentação precisava de algo a mais sobre ela.
Pontos de virada tem sua força diluída, seja pela obviedade ou pela falta de coerência da própria história. Em determinado momento, um personagem não é notado por outro dentro de um mesmo recinto, apesar da proximidade e da precariedade do disfarce. Quando o volume chega ao fim, revelações deixam pontas soltas para os próximos capítulos. O recurso dos ganchos, por si só, não é um problema, mas os que foram trabalhados aqui não chegam a criar expectativa para o que vem depois.
Arte dinâmica e atraente
Feitas essas considerações, é preciso dizer que, apesar de tudo, Lady Killer proporciona uma boa diversão. Mérito de Joëlle Jones e sua arte, cujo estilo confere uma personalidade muito própria ao álbum. Retratar essa época específica dos EUA com esse traço já cria um contraste muito interessante, ainda mais quando se lida com cenas violentas, com muito sangue esguichando.
Essa concepção visual ganha ainda mais com o uso recorrente de uma perspectiva forçada nas cenas de ação, adicionando camadas ao conceito, conferindo mais movimento à sequência. A opção de Laura Allred pelas cores chapadas consegue remeter mais ao período em que tudo se passa, ao mesmo tempo em que não entra em conflito com o detalhamento imposto pela desenhista. A galeria dos extras, com imagens que brincam com propagandas da época, é um belíssimo bônus.
Com uma narrativa visual eficiente, exceto em momentos pontuais que pecam na impressão da passagem do tempo, a HQ se segura graças a esse quesito. Evitando levar sua violência para um pastelão à la Garth Ennis, Lady Killer tem aí algum mérito e salva o passeio, mesmo que sua parte conceitual pareça um tanto incompleta e, em alguns momentos, até mesmo perdida.
Somando prós e contras, é certo que os leitores mais sádicos vão curtir.