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Último Assalto – O boxe e o crime na periferia paulistana!

O pugilismo e a dura realidade da vida em Último Assalto

O boxe já foi bastante explorado na ficção*, mas rendendo boas histórias na maioria das vezes. Evitando aprofundar nos supostos motivos por trás do fascínio exercido sobre escritores e seus leitores, é indiscutível que esse pano de fundo serve muito bem como metáfora para o que os protagonistas enfrentam fora do ringue. Desafios esses, aliás, mais dolorosos do que um supercílio aberto ou um cruzado do adversário acertando seu queixo em cheio. Último Assalto, HQ de Daniel Esteves e Alex Rodrigues, vai por esse caminho.

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Compre clicando na imagem abaixo!Resenha da HQ Último Assalto, de Daniel Esteves e Alex Rodrigues

Com sua narrativa ambientada na periferia de São Paulo, que carrega grande tradição na modalidade, o álbum já tem uma apresentação de peso na capa. A imagem é simples, mas poderosa e capaz de sintetizar a ideia de sua premissa, com as cordas do ringue como um elemento conceitual interessantíssimo. Além de servirem à ideia de um protagonista preso, a primeira também cobre seus olhos, o que indica, sutil e espertamente, que estamos diante de uma história que também fala de crime. Nem é preciso comentar sobre o inteligente jogo de palavras no título.

Kevin é um garoto pobre que lida com uma rotina exaustiva, tentando conciliar seus treinos de boxe com o trabalho em um lava rápido muito distante de onde mora. Antes uma promessa no esporte, ele tenta recuperar a forma após um afastamento por conta de sua detenção por um crime que ainda o assombra. Além disso, ainda precisa cuidar de um tio já mentalmente doente e provar ao treinador Tony que ainda pode seguir essa carreira.

Como é comum neste tipo de narrativa, a figura paternal de Tony ganha um contraponto em Neto, empresário claramente inescrupuloso que coloca nosso protagonista em cheque. Assim, a encruzilhada de Kevin é estabelecida, cujo conflito é potencializado por outros dois personagens coadjuvantes que apontam caminhos antagônicos: Cibele, colega de academia, e Rafa, amigo de infância e “funcionário” de Neto.

(Confira outras resenhas de HQ’s nacionais, como O Maestro, o Cuco e A Lenda e A Loira Fantasma de Curitiba)

Resenha da HQ Último Assalto, de Daniel Esteves e Alex Rodrigues

Premissa forte com desenvolvimento irregular

Não existe a menor dúvida que estamos diante de algo que reverbera forte no leitor brasileiro, desde que ele seja minimamente bem informado sobre a realidade da periferia de uma grande metrópole. Eis aí um grande trunfo de Último Assalto, mas esse ponto de partida promissor perde um pouco de seu gás enquanto avança. Daniel Esteves demonstra que pesquisou bem sobre esse universo antes de escrever o roteiro, mas os detalhes que enfraquecem sua história são outros.

A caracterização de alguns personagens acaba cedendo ao clichê estereotipado em determinados momentos. Por exemplo, o patrão de Kevin no lava rápido é um mimado endinheirado, incapaz de qualquer gentileza ou empatia por seu empregado. No meio do núcleo principal da história, isso é desnecessário, já que o fardo do protagonista é dramaticamente consistente sem isso.

Neto também acaba caindo em uma vilania um tanto cartunesca, destoando do cenário realista proposto. Suas atitudes finais pedem uma suspensão de descrença dos leitores, o que acaba fugindo de um tom de denúncia mais evidente do segundo para o terceiro ato. Felizmente, o carisma de Kevin como personagem se mantém por todo álbum, com o apelo de sua trajetória atenuando os elementos menos inspirados da história.

Já em seu final, Último Assalto deixa uma sensação de incompletude, pois se encerra de uma maneira um tanto abrupta. Porém, se as derradeiras páginas parecem não ter dado conta da trama em questão, existe outro detalhe que confere mais solidez ao conjunto e valoriza a experiência.

Resenha da HQ Último Assalto, de Daniel Esteves e Alex Rodrigues

Arte e narrativa visual fluindo como um direto

Alex Rodrigues faz muito bem sua parte nesta dupla, entregando uma arte estilizada e consistente, casando muito bem com a proposta geral. Seus traços capturam a dureza do mundo por onde Kevin e os outros transitam, sem sacrificar a verossimilhança exigida. As características físicas peculiares de cada um, assim como suas respectivas posturas, também denotam o esmero do desenhista.

Tudo isso, porém, poderia ser pouco sem um detalhe fundamental: narrativa visual. Alex Rodrigues também se sai bem neste território, com enquadramentos e diagramação que destacam muito bem a diferença de ritmo entre uma sequência e outra. Nas cenas de luta, suas splash pages são perfeitas para indicar a contundência de um golpe que atingiu seu alvo, com um uso consciente dos recursos gráficos dos Quadrinhos como linguagem.

No saldo final, não há como negar que Último Assalto vale o tempo investido. Seja pela disposição do roteirista em abordar esses temas, pelo apelo intrínseco às narrativas pugilísticas ou pela sua parte gráfica, entre outros tópicos. Entre deslizes e acertos envolvendo um roteiro ambientado no mundo do boxe, ainda é muito melhor do que um filme como 10 Segundos Para Vencer. Se você é naturalmente interessado no assunto, como parece ser o caso de Daniel Esteves, tem aí um bom motivo para conferir.

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