Paul Pope e a arte das fugas como metáfora em Escapo
Quando se fala de um artista com um estilo tão característico quanto Paul Pope, é difícil fazer justiça. Os traços que definem sua arte são reconhecíveis até por quem só viu uma de suas HQ’s, mesmo que de passagem. Um estilo, aliás, que serve muito bem às temáticas com que costuma trabalhar. Para quem aprecia seu trabalho, é um prazer enorme ver momentos do início de carreira publicados por aqui, finalmente. É o caso de Escapo (idem), lançado originalmente no fim da década de 1990.
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Graças à Mino, os fãs brasileiros podem fazer as inevitáveis comparações com seus álbuns posteriores, como Bom de Briga, por exemplo. Com o cuidado gráfico de sempre, a editora lançou uma bela edição que valoriza a HQ em questão. Conforme o próprio título e a ilustração da capa dura já entregam, estamos diante da história de um artista de fugas, mas em um recorte específico desta vida incomum.
Nome artístico do nosso protagonista, Escapo traz em seu texto a relação entre a arte do escapismo e os sentimentos do próprio personagem. Eis um recurso que remete ao livro de Michael Chabon, As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay (2000), por sinal, um romance histórico ambientado no mundo dos Quadrinhos. No entanto, Pope trilha um caminho mais abstrato aqui, uma metáfora que gira em torno de conquistar a pessoa amada e o temor da morte. Nada disso tratado de uma forma óbvia, evidentemente.
Apresentando o personagem principal já estabelecido como uma estrela do circo onde trabalha, o autor não perde tempo com detalhes deste passado. Não faz falta, na verdade, pois o que importa é como Escapo vive naquele momento e se relaciona com seus colegas. E é justamente nesta dinâmica que descobrimos a paixão que ele nutre por Aerobella, artista do número da corda bamba.
Nitidamente introvertido, ele ainda possui cicatrizes faciais que parecem contribuir para sua insegurança fora do picadeiro. Essa composição do personagem, mais o ambiente circense, faz com que o vejamos como alguém verdadeiramente à parte da vida cotidiana, mas não exatamente confortável com a condição. Com esse contexto peculiar, ele precisará resolver conflitos em torno dos seus sentimentos e dos riscos que corre a cada apresentação. Neste último tópico, inclusive, a situação adquire contornos inusitados pela visão do protagonista.
Excelência visual em um roteiro que parece incompleto
Alguns deslizes são justificáveis quando o artista/roteirista ainda não tem experiência, como é o caso de Paul Pope em Escapo. Se naquele momento já existia um estilo bem definido de traço e narrativa, o texto careceu de um pouco mais de substância para dar liga aos acontecimentos até sua conclusão. A história se desenrola quase como se uma situação específica, apresentada como importante, não importasse de verdade no cenário geral.
A já citada metáfora parece ser a verdadeira intenção do roteiro, mas a relação do personagem principal com Aerobella é quase como uma história à parte em meio a essas quase 100 páginas. Mesmo que considerada desta forma, é um arco que se resolve em um estalar de dedos para ser totalmente descartado em seguida.
O que vemos depois também parece pouco integrado ao conjunto, o que acaba prejudicando um pouco do nosso envolvimento com Escapo. Não deixam de ser momentos bem interessantes, de fato, mas faltou unidade nestes três atos que formam a HQ. Mesmo assim, ainda precisaria piorar muito para ser chamado de ruim. Não apenas pela consciência de que é algo lançado em 1999, mas, principalmente, pela narrativa dinâmica aplicada ao traço de Paul Pope.
De uma forma geral, mesmo com alguma deficiência textual, é um tipo de universo que casa totalmente com a arte. Além disso, é difícil não encantar-se com o movimento capturado nas cenas de ação. Naquele momento da carreira de Pope, já era admirável a sensibilidade em rechear as páginas com detalhes de texturas e onomatopeias, evitando que as cenas ficassem poluídas ou ininteligíveis. A energia dos trechos mais movimentados evoca uma das influências assumidas de Pope, Jack Kirby.
Por todas essas e outras qualidades gráficas, Escapo recompensa leitores que apreciam observar com atenção as possibilidades da linguagem dos Quadrinhos. O arrojo visual faz muita, mas muita diferença na avaliação final e é exatamente por isso que vale a pena tê-lo na sua estante.