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A Terra dos Filhos – Futuro sem inocência!

A tarefa de preparar a próxima geração é a premissa em A Terra do Filhos

Um dos períodos mais difíceis da vida é quando nos tornamos conscientes das atitudes que nossos pais tomam. Não existe maturidade para entender o que se passa, mas já é possível guardar boas lembranças ou ressentimentos em momentos decisivos de formação de caráter. Imagine agora a tarefa de criar dois meninos, em um mundo devastado por uma catástrofe natural e sem qualquer organização social. A Terra dos Filhos (La Terra Dei Figli) parte desta situação.

Adquira sua edição clicando na imagem abaixo!Resenha da HQ A Terra dos Filhos

A premiada HQ de GIPI, pseudônimo de Gian Alfonso Pacinotti, foi publicada na Itália em 2016, chegando agora ao Brasil pela Veneta*. Nas difíceis condições de vida neste futuro indefinido, um pai educa seus dois filhos com o máximo de rigidez. Para ele, não há lugar para carinho em um mundo onde animais de estimação perdidos, cada vez mais raros, se tornam a próxima refeição de quem consegue pegá-los. Além disso, o próprio deslocamento dessas pessoas em condições precárias, relativamente longes umas das outras, também é difícil, com a maioria das áreas alagadas.

*(Confira também as resenhas de outros títulos da Veneta, como Asa Quebrada, Ayako e Desaplanar)

Os dois garotos se sentem mal com o comportamento do pai, que nem os ensinou a ler por achar que isso perdeu a utilidade. Cada um reage do seu próprio jeito. A intenção de endurecê-los para estas condições é bastante compreensível, mas é preciso levar em conta a perspectiva dos filhos também. Como entender isso com tão pouca experiência, sem o referencial de como eram as coisas antes do colapso ambiental? Para o pai, que conheceu um mundo diferente, a vida atual é muito mais dolorosa.

A Terra dos Filhos mostra uma trajetória de descoberta dos dois irmãos, um deles com a ideia fixa de saber o que está escrito no diário do pai. O contexto lembra bastante obras do cinema como A Estrada ou The Rover, onde não sabemos o que de fato aconteceu com o mundo. Outro ponto em comum é a jornada onde o interior importa mais do que o deslocamento geográfico, algo bastante comum neste tipo de narrativa. GIPI não batiza seus personagens principais, o que serve para nos aproximar da alegoria que ele propõe.

Resenha da HQ A Terra dos Filhos

O apelo da situação em si é o que mais chama atenção. Quem já é pai vai refletir bastante sobre a figura paterna ali retratada, mas não é um roteiro que se dirija somente aos que tem filhos em idade de formação. Mais abrangente é a visão dos garotos, cujas dúvidas e dilemas encontram um eco em nossas vivências domésticas mais comuns da infância e passagem para adolescência. A necessidade de entender as motivações daqueles que nos educam, compreendendo o mundo neste processo, é o alicerce emocional deste roteiro.

Narrativa dinâmica e traço adequado à proposta

A Terra dos Filhos é um álbum encorpado, com quase 300 páginas. Apoiada muito mais em imagens, a leitura é rápida e flui muito bem. O autor cadencia sua sequencia de acontecimentos em um ritmo preciso, facilitando a imersão dos leitores. O traço mais rústico não busca um retrato super detalhado das paisagens daquele mundo, atendo-se ao mínimo necessário em vários quadros.

O estilo desta arte está de mãos dadas com o tipo de história contada. Desenhos mais academicamente “bonitos” não serviriam a esse contexto, onde vários padrões comuns se perderam. Para os dois meninos, pelo menos. As linhas soltas, formando as imagens que necessitam de mais peso, estão conceitualmente de acordo com a ideia de um mundo caótico e desolador.

Você já viu isso antes e não se surpreende com o final

Os méritos são indiscutíveis. Boa premissa, apelo, coesão narrativa e conceitual e por aí vai. Tudo isso funciona em A Terra dos Filhos, mas é suficiente? Uma impressão particular é que faltou algo, dentro de um roteiro que desenvolve uma ideia que já encontramos muitas vezes em outras obras. Não é uma cobrança irracional por novidade, mas aqui não há surpresas ou viradas que nos façam admirar qualquer sacada do autor.

Resenha da HQ A Terra dos Filhos

Nem de longe querendo impor um caminho que GIPI deveria ter seguido, já que ele acertou no que diz respeito à sensibilidade. Somos fisgados emocionalmente, mas uma análise mais detalhada desta estrutura linear traz a constatação de que ela não teve a mesma atenção que as caracterizações dos personagens. Seu fechamento é apenas satisfatório e parece ter buscado exatamente isso, ainda que mantenha sua sutileza até o fim.

O preço da edição e o peso dos elogios e premiações que A Terra dos Filhos recebeu criam uma inevitável expectativa. Apesar de não plenamente satisfeita, é uma HQ que vale o tempo investido pelos seus acertos. Entre eles, o mérito de nos fazer pensar sobre o relacionamento com nossos pais e como isso nos moldou.

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