Embora um pouco atrasado, chega ao Brasil o arco que reapresenta o Homem-Formiga ao grande público, Segunda Chance (Ant Man Vol. 1 – Second-Chance Man). Dizemos atrasado não em relação ao lançamento original, que sempre está atrás do lançamento no EUA, mas em relação obviamente ao enorme e inesperado sucesso do personagem no cinema. Considerado por muitos um dos melhores, inusitados e divertidos filmes do Universo Cinematográfico da Marvel.
Apesar de ser um personagem clássico, fundador dos Vingadores na sua versão original na persona de Hank Pym, ele foi bastante negligenciado nas últimas décadas e permaneceu no segundo escalão de heróis da Casa das Ideias durante um bom tempo – além de alguma representações bastante indignas, como as questões de violência doméstica envolvendo sua esposa, a Vespa. Assim, é fácil entender o título escolhido pelo autor Nick Spencer para essa série inserida na linha Totalmente Nova Marvel (já esse título é difícil de engolir…).
É fato que, a exemplo do Homem de Ferro, o sucesso no cinema é o principal responsável por esse redescoberto interesse no personagem, e daí também entendemos porque o arco só foi lançado depois do filme. Tanto que, apesar do Homem-Formiga clássico ser o supracitado Hank Pym, o escolhido para estampar o novo run do herói nas HQ’s é a sua persona do cinema, Scott Lang, o segundo de três heróis a usarem o manto do Formiga (sendo o terceiro o agora esquecido e falecido Eric O’Grady – quem sabe o cinema não quebre essa para ele também). A escolha por Lang é também a escolha pelo direcionamento da narrativa – que, assim como o filme, se não é ousado, ao menos é divertido.
Infelizmente, não tão divertido quanto o filme. Spencer não chega a ser um grande nome da Marvel, o que demonstra que a empresa, no mínimo, não tinha grandes pretensões com o título. O autor foi escolhido principalmente pelo seu trabalho prévio com o título Superior Foes of Spider-Man – publicado por aqui na Teia do Homem-Aranha Superior – cujo humor era bastante característico. Spencer migra esse humor para o título do Homem-Formiga, constantemente estabelecendo o quão fracassado ele é – uma visão exponencialmente aumentada pela visão deprê que ele tem de si mesmo – reforçando o relacionamento bastante problemático que ele com sua filha, Cassie – a conhecida Estatura, de Jovens Vingadores – além de cercá-lo com alguns dos nomes mais esquecidos e esdrúxulos da casa, como Mecanus e o Urso, além de fazê-lo enfrentar vilões como o Cabeça de Ovo.
Como não poderia deixar de ser, Spencer ainda tentar fazer a ponte com o filme, trazendo Darren Cross como a principal ameaça, aumentando substancialmente seus poderes – para quem não sabe, o grande vilão do filme nos quadrinhos é um personagem absolutamente inócuo – e também estabelecendo uma breve relação de mentor e aprendiz com Pym e Lang, que não existia previamente nas HQ’s. Tudo isso permeado pelo humor característico de Spencer, que tenta abertamente tornar Scott Lang uma espécie de novo Peter Parker, dificultando a vida do personagem enquanto nos arranca um outro riso dos leitores no processo.
A HQ tem um sério problema de ritmo. Como ela pretende reapresentar o personagem ao velho público e concomitantemente conquistar um novo, a história fica truncada com extensos diálogos que mais parecem um diário de Scott Lang. Para posicionar o personagem nesse novo status de destaque, Spencer usa muito espaço e leva muito tempo para desenvolver coisas muito simples da história, fazendo com que mesmo os chistes, que são o ponto alto do arco, às vezes fiquem perdidos no meio da verborragia narrativa e não tenham tanta graça quanto poderiam ter.
Spencer demonstra potencial com o personagem, mas esse potencial ainda está por se provar. Mas nem tudo são problemas. Os desenhos de Ramon Rosanas são bastante competentes, e se a narrativa não ajuda a desenvolver um bom ritmo, os desenhos pelo menos não prejudicam. Eles são soltos e a arte final é livre, valorizando expressões e posturas dos personagens, a exemplo de outro lançamento recente da Panini/Marvel, o Gavião Arqueiro: Minha vida Como Arma. Se a diagramação dos quadros é muito mais pragmática em relação a este, ao menos é dinâmica o bastante para colaborar com o humor pretendido por Spencer.
Falando no Gavião, é necessário, novamente, apontar essa nova filosofia da Panini em relação aos lançamentos das duas grandes no Brasil. A Panini daqui começa a engendrar em nós um conceito que já é bem antigo nos EUA, que é a publicação de arcos direto em encadernados. Com certeza é um formato muito mais agradável para o leitor, que não precisa esperar meses para terminar de ler a história completa de um personagem, mas que tem implicações sérias no modelo de vendas, algo que o pessoal do Formiga Elétrica já discutiu inúmeras vezes nos nossos podcasts sobre quadrinhos (se ainda não conhece, clique aqui). Como isso vai afetar o mercado brasileiro de HQ’s, que está em expansão, mas ainda muito longe de se firmar, é algo a se debater.
Ademais, uma crítica recorrente à Panini, também mencionada na resenha do Arqueiro Verde: Pássaros da Noite – embora o papel seja de qualidade, 25 reais como preço de capa é inaceitável para um volume com capa cartonada e apenas 180 páginas. Não que o preço dos mix mensais seja muito melhor, mas de novo vamos mencionar o precedente de Thor: O Carniceiro dos Deuses, Bomba Divina e o já citado Gavião Arqueiro – por apenas um real a mais, a editora nos trouxe dois volumes com capa dura e tratamento de luxo, ou seja, é possível. Sabemos da crise pela qual o país passa, mas o amigo leitor tem que questionar certas decisões de grandes empresas.
Homem-Formiga Vol. 1 – Segunda Chance é um bom passatempo. Uma história típica de continuidade que se não está acima da média, ao menos não está abaixo. É sempre muito bom ver um personagem, tão querido de muitos leitores das antigas, de volta em uma forma razoável e com potencial para se desenvolver em uma boa série (mesmo que a publicação um ano à frente nos EUA já nos diga que ela continua mediana). Mesmo assim, não dá para dizer que não vale a pena.
Afinal, o Homem-Formiga sempre será um dos grandes.