O poder de transformação que a arte possui é algo indescritível, desde a influência na formação intelectual e questionadora do indivíduo, até a construção no lugar da destruição. É sobre essa força irrefreável e fascinante que marcaram a história que se encontra o cerne e a alma de Hip Hop Genealogia. Escrito e desenhado por Ed Piskor (cujo trabalho anterior de maior peso foi em American Splendor), este é o primeiro volume de uma coletânea de tiras chamada Hip Hop Family Tree, publicadas originalmente no site Boing boing que, quando compiladas em 2013, ganharam o prestigiado prêmio Eisner.
O quadrinho narra alguns dos momentos mais importantes do hip hop do início da década de 1970 até 1981, nos apresentando às figuras mais famosas do movimento, como Afrika Bombaataa, DJ Kool Herc, Grandmaster Flash, entre muitos outros, de maneira orgânica e prazerosa, tornando a narrativa uma verdadeira aula de história viva, fazendo o leitor testemunhar a evolução dessa arte não por uma simples sequência de eventos, mas sim por um sentimento muito mais humano. Algo possível de ser realizado somente através das mãos de alguém que é verdadeiramente apaixonado pelo período, como é, visivelmente, o caso do autor.
Caso você não seja um aficionado pelo hip hop, se acha que este quadrinho não seria o mais indicado para sua leitura, está enganado. Hip Hop Genealogia não é um trabalho que fala apenas sobre o movimento que lhe dá o nome, mas sobre todo o contexto histórico que o envolve, mostrando o poder transformador que a arte possui, aqui no caso, mais especificamente sobre um período conturbado do Bronx. A cultura é um dos maiores legados que a humanidade deixa para a história.
Na década de 1970, os subúrbios de Nova York estavam tomados pelas gangues que eram formadas por jovens sem perspectivas que queriam não apenas diversão, mas, principalmente, proteção. Foi uma época extremamente violenta, gerada pelo descaso do governo após a desindustrialização do Bronx. Com esses grupos demarcando território e uma volatilidade absurdamente alta, era de se imaginar que qualquer instabilidade nesse frágil equilíbrio desencadearia uma guerra local (algo muito bem mostrado no ótimo quadrinho Ghetto Brother: Uma Lenda do Bronx). Mas no lugar da violência surge o Hip Hop, servindo como uma verdadeira centelha de esperança para os jovens daquele local que fora esquecido pelo poder executivo.
O trabalho de Ed Piskor é realmente uma ode ao movimento cultural. Sua pesquisa minuciosa e abrangente, aliada ao traço que transporta o leitor para a época, fazem de Hip Hop Genealogia um dos mais importantes materiais para quem quer saber sobre esse importantíssimo pedaço da história.
A composição visual, desde os cenários, cores, objetos e vestimentas, são hipnotizantes. O leitor mais observador pode investir um bom tempo em cada quadrinho, pois tudo em cena foi cirurgicamente pensado para passar o máximo de informação possível sobre o momento descrito. E mesmo com uma diagramação simples, a virada de página é demorada, pois cada uma exige um bom tempo para uma observação precisa e de qualidade. Isso chega a cansar? Se você é daqueles apaixonados pelas possibilidades narrativas da nona arte, de maneira alguma!
Com essa edição de luxo de encher os olhos, a Editora Veneta, em parceria com o Laboratório Fantasma e a agência Dabba, lança o selo Sumário de Rua, que focará em publicações sobre hip hop, cultura urbana, movimentos sociais e outros assuntos de interesse dos jovens das cidades brasileiras. Vamos aguardar ansiosos por mais publicações com esse mesmo carinho e dedicação.
Hip Hop Genealogia vai transportá-lo para o Bronx daquela época com uma força irrefreável. É uma verdadeira aula de história, que coloca o leitor na própria calçada onde está acontecendo um show de um dos movimentos culturais mais importantes do século XX, que pôde provar com tintas, música e dança que a arte tem um poder verdadeiramente transformador na vida das pessoas.