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Fujie e Mikito – A história de uma família que é muitas!

Fujie e Mikito resume, de muitas formas, a história de muitas famílias imigrantes japonesas

Muitos anos atrás, comecei a praticar artes marciais japonesas. Por causa disso, acabei me aproximando bastante da colônia e seus descendentes, que ainda se esforçam para manter vivas algumas tradições e histórias da trajetória desse povo em terras brasileiras. Uma história de conquista, de respeito, mas também de muito sofrimento. Em sua breve duração, o volume Fujie e Mikito, do jornalista e roteirista Yuri Andrey e do quadrinista Marcelo Costa, lançado aqui pela Mino*, ecoa um sumo da história desses pioneiros e das gerações que as seguiram.

*(Leia também as resenha de O Condado de Essex e Três Buracos)

Compre clicando na imagem!Resenha de Fujie e Mikito - Editora Mino

O volume funciona quase como um pseudo-documentário, misturando eventos reais comuns a muitos imigrantes com inserções ficcionais, sem grandes extrapolações ficcionais. O resultado final é um volume sóbrio, ainda que pequeno, que respeita e expõe um lado muitas vezes desconhecido da história de imigração já centenária do povo japonês. Esse é um aspecto que vale a pena ser louvado, pois chega a ser idiossincrático o peso da influência que o Japão exerce sobre a nossa cultura local – particularmente em São Paulo – e o tamanho do desconhecimento das origens e detalhes dessa mesma cultura.

Fujie e Mikito, que, segundo relata o próprio volume, é uma HQ fruto de intensa pesquisa histórica, joga luz sobre os primeiros dolorosos passos da imigração japonesa no Brasil. Eles o fazem através dos olhos da família Fukuda, que sofreu ao trocar o seu país natal por uma Terra Desconhecida – num contexto shakespeareano – para investir tudo o que tinham, incluindo a esperança, em um território cujo idioma, povo e cultura não poderiam ser mais alienígenas para eles; sem dizer, muitas vezes, também hostil.

Orgulho e Preconceito

Destaco esse tópico pois muito tem se falado, recentemente, sobre o preconceito sofrido por descendentes de povos orientais em nosso país, aí inclusos os nipo-descendentes. Essa HQ é muito bem sucedida em explorar esse aspecto, principalmente diante de um contexto histórico onde a paranoia contra as nações cujos governos compuseram o Eixo. Durante a Segunda Guerra e logo após, esse sentimento ainda estava bastante aflorado nas mentes de brasileiros – muito embora eu, como descendente de imigrantes italianos, deva destacar que nunca ouvi sequer menção de qualquer tipo de hostilidade remotamente parecida dirigida aos ítalo-brasileiros.

De fato, sempre houve uma rejeição muito mais intensa aos japoneses, principalmente por conta de sua aparência distinta e cultura muito menos compatível com a brasileira local, embora as primeiras ondas de imigração nipônicas não tenham começado muito depois da italiana, por exemplo. De fato, os italianos começaram a vir para cá em torno dos anos 1870, enquanto os japoneses desembarcaram aqui em 1908 (incidentalmente, justamente para cobrir um déficit deixado por um impedimento de trabalhadores italianos virem ao Brasil para trabalhar nas lavouras de café).

Aula de história à parte, a HQ é uma boa celebração da “vitória”, por assim dizer, da resiliência japonesa em instaurar sua colônia aqui no Brasil. Ela relembra as terríveis agruras que passaram esses imigrantes, que vão desde um tratamento nas lavouras comparável a escravidão negra até serem levados para campos de concentração no Brasil durante a Segunda Guerra – sim, eles existiram – e os efeitos desses eventos sobre as gerações posteriores, sejam eles narrados diretamente ou não.

E talvez essa seja a única crítica objetiva ao volume: sua extensão. Esse tema facilmente renderia volumes e mais volumes de história. Fujie e Mikito é um pequeno recorte da vida dos Fukuda, mas cujo quadro geral poderia muito bem lançar uma luz mais abrangente sobre a história e a memória do povo japonês no Brasil. Não é que o volume não funcione – sua leitura é leve, envolvente e entretém. E justamente por isso, nos deixa querendo mais.

Resenha de Fujie e Mikito - Editora Mino

Uma história de muitos

Me lembro da história de um professor de karate falecido pouco tempo atrás, Yanagisawa Sensei. Seu pai havia sido um diplomata, um cônsul, se não me engano. Quando a Segunda Guerra começou, muitos japoneses perderam suas posses e foram enviados para campos de concentração. Um grupo grande passou todas as suas posses para o nome de Yanagisawa pai, que retornou ao Japão. Anos após, ele retornou ao Brasil, com todas as posses em seu nome. Ele devolveu todas elas. Centímetro por centímetro, centavo por centavo. Yanagisawa filho, o que eu conheci, poderia ter vivido uma vida de luxo e opulência se seu pai tivesse decidido manter essas posses. Morreu sem privações, mas de forma humilde. E orgulhoso de contar sobre a honra de seu pai para quem quisesse ouvir.

Fujie e Mikito é um singelo lembrete de que muitos de nós vão viver e morrer sem entender completamente pessoas que são nossos vizinhos. E que mundo rico e maravilhoso é esse.

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