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Desaplanar – Convite à transcendência!

Uma palavra define Desaplanar: obrigatório!

O segmento Another Brick in The Wall, do genial longa-metragem Pink Floyd: The Wall, é familiar e admirado por inúmeras pessoas. Eis um casamento perfeito entre o que é ouvido e o que é visto, sem qualquer redundância, com a soma dos dois dando origem a algo além das partes isoladas. Se trocarmos o audiovisual pela linguagem escrita e ilustrações, também teremos dois componentes que podem se juntar para criar algo maior. Esse é um dos pontos que Nick Sousanis procura expor na HQ Desaplanar (Unflattening), entre uma gama muito mais extensa do que poderíamos imaginar.

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Resenha de Desaplanar, da editora Veneta

Desaplanar

Trata-se de uma tese de doutorado, apresentada na Universidade Columbia em 2014, elaborada em formato de Histórias em Quadrinhos. O pioneirismo foi recompensado. No ano seguinte, a editora da Universidade Harvard publicou o trabalho, rendendo vários prêmios e elogios rasgados de acadêmicos e da imprensa especializada.

Se existe um objetivo primordial em Desaplanar, é o questionamento de um senso comum sobre a primazia do texto na assimilação do conhecimento, puxando um rosário de tópicos que captura entusiastas das HQ’s, colegas do autor na área da educação ou, simplesmente, pessoas interessadas em qualquer tipo de arte. Apenas um requisito é básico nessa viagem: a vontade de alargar os horizontes da percepção e do entendimento.

A comparação no primeiro parágrafo não foi aleatória. A música composta por Roger Waters é acompanhada por imagens perturbadoras, simbolizando um sistema educacional opressor e obsoleto, anulando as possibilidades individuais de cada um para manter uma ordem rígida. Sem um roteiro baseado em arcos dramáticos, Sousanis já inicia mirando diretamente nesta noção engessada que padroniza seres humanos. Mas qual a relação entre o que foi citado até aqui e o neologismo que dá título à obra?

Desaplanando e despertando

Tomando como base o livro de Edwin A. Abbott, Planolândia – Um Romance de Muitas Dimensões, de 1884, publicado no Brasil pela Conrad, Desaplanar monta seu raciocínio. A obra de Abbott é sobre um mundo bidimensional onde vivem figuras geométricas. A ordem é abalada pela chegada de uma esfera, mostrando aos planolandeses que existe uma terceira dimensão. Sousanis até toma emprestado esse trecho e o desdobra em favor de sua ideia.

O objetivo é estimular o leitor a questionar verdades cristalizadas, saindo de sua zona de conforto, como fez o quadrado que habitava Planolândia. O tópico de texto X imagem já mencionado é um ponto de partida, mas a discussão não fica restrita a isso. O próprio autor buscou com cuidado diversas “dimensões” diferentes que seu tratado possui. As limitações da linguagem escrita em termos de expressão pessoal, algo que costuma ser esquecido por quem não é estudioso no assunto, são discutidas, assim como seu potencial imensurável quando aliada a imagens.

Se o conteúdo deste trabalho é uma afirmação deste conceito, ele não se impõe somente pela força de seus argumentos. A experiência desta leitura é uma viagem rara, tão prazerosa quanto elucidativa, capturando os olhos e a mente do leitor em direção a um novo paradigma, cujo poder transformador é evidente e inspirador. Desaplanar, pela sua proposta, encontra um parente próximo no livro O Ponto de Mutação, de Fritjof Capra.

Resenha de Desaplanar, da editora Veneta

Pontos de vista em seu sentido literal e figurado!

O “recheio” da obra

A gama de citações, naturais em um trabalho acadêmico, não torna essa leitura tediosa. Marcuse, filósofo alemão e autor de O Homem Unidimensional, entra neste caldeirão multirreferencial, com outros pensadores como Bakhtin, dividindo o espaço com clássicos do cinema como Cantando na Chuva e O Mágico de Oz. Ícones da cultura pop, como Dr. Who também dão as caras, mas o leitor mais próximo aos quadrinhos já percebe uma influência direta logo no início. Aliás, uma que permeia todo o álbum.

É impossível olhar para a estrutura de Desaplanar e não lembrar de Scott McCloud (O Escultor) e seu Desvendando os Quadrinhos. Não por acaso, é citado diretamente, afinal, trata-se de obras irmãs e complementares. McCloud já havia provado um ponto de vista com seu trabalho, defendendo o poder da junção entre texto e imagem, onde o próprio arcabouço conceitual era o argumento. Nick Sousanis foi além, reafirmando a ideia pelo mesmo caminho, mas também em favor de um novo pensamento.

Conhecimento e sua assimilação

A abrangência de Desaplanar parece impossível de ser atingida, quando descrita em um texto como esse. Além do que já foi exposto aqui, também existe a questão da absorção do conhecimento através da percepção humana. Um assunto que desafia o poder de síntese de qualquer escritor, abordado de uma forma direta e eficiente. Filosofia e abstração imagética unidas em uma linha narrativa absolutamente bem pensada em questões de ritmo.

Ninguém precisa intimidar-se pelo que parece um conteúdo hermético e arrastado. Basta começar que o resto acontece naturalmente, em uma cadência que muitos roteiristas buscam em histórias de aventura, mas falham em algum momento. Eis mais uma prova do poder da narrativa visual, facilitando o aprendizado em qualquer área e sem sacrificar a diversão no meio do caminho. Coisas que vários de nós gostariam de esfregar nos narizes de alguns “educadores”.

Resenha de Desaplanar, da editora Veneta

Imagem e texto em total sintonia!

No final, a recompensa e o beijo da musa…

Seria redundante dizer agora que professores de qualquer matéria deveriam conhecer esse trabalho, desde que dispostos a “desaplanar” também. Na verdade, qualquer ser humano só tem a ganhar com essa leitura. Dizer que é um convite a ver o mundo de uma forma diferente soa limitante e incompleto. Parece mais correto dizer que o estímulo é para encontrar as outras várias camadas – ou dimensões, se preferir – naquilo que cada um já traz como bagagem.

No meio de tantas possibilidades, o término de Desaplanar também desperta uma vontade mais específica. Seja você escritor, desenhista, pintor, ou qualquer outra coisa muito distante disso, é difícil não considerar colocar algum projeto em prática, influenciado pela eloquência das ideias trazidas por Nick Sousanis. A aplicação disso só depende da imaginação de cada um.

E tudo começa com um pequeno passo para fora de Planolândia…

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