Quando o assunto é a identidade secreta de um super-herói, a situação sempre se torna algo polêmico. Afinal, ter a identidade verdadeira assegurada é algo que pode trazer segurança não só ao personagem, mas para seus conhecidos e todos os que estão de certa forma relacionados a ele. Pensando nisso, podemos acreditar que quando uma história traz esse como sendo o ponto central, claro, precisa ser rica em detalhes e conflitos. É isso que vemos em Demolidor – O Rei da Cozinha do Inferno, volume de luxo da Panini com 356 páginas – abrangendo as edições de Daredevil 41-50 e 56-60 – e continuação do compilado anterior visto em Demolidor: Revelado.
Um jornal de Nova York publicou uma matéria dizendo que Matt Murdock seria o Demolidor. Claro que mesmo sendo verdade, Matt, buscando assegurar sua identidade secreta, processa o jornal. Obviamente, a mídia não deixaria isso de lado tão fácil, então, mesmo com esse processo, ele acaba sendo perseguido quase que constantemente. Enquanto isso, Wilson Fisk, o Rei do Crime, após ser deposto e quase perder a vida, é deixado em um hospital, bem longe da Cozinha do Inferno, por Vanessa, sua esposa.
Esses eventos se desenrolaram em Revelado, continuando aqui a fase do Demolidor com roteiros de Brian Michael Bendis e arte de Alex Maleev, começando com o Homem Sem Medo evitando o atropelamento de uma moça cega, Milla Donovan. Se encantando com o herói, Milla busca conhecê-lo melhor. Quem sabe, até mesmo, originar um relacionamento.
O que ela não sabe é que Matt está em pleno conflito interno por conta da divulgação de sua identidade secreta, além de descobrir que existe uma nova droga no bairro e um novo “chefe”. Com a saída de Fisk, o vilão conhecido como Coruja se apropria do território “abandonado” com a nova droga chamada de MGH, “hormônio de crescimento mutante”, que – basicamente – estimula uma parte do organismo do usuário criando assim um “poder” temporário. Enquanto o Demolidor tenta tirar essa droga de circulação, removendo também o Coruja do comando, surpreendentemente, Wilson Fisk retorna de sua temporada de recuperação. Claro que tentando retomar seu território, porém Matt não está nada disposto a deixar o bairro nas mãos do crime novamente.
O herói agora precisa lidar com a volta de Wilson Fisk, o Coruja e sua nova droga, um início um pouco conturbado de relação com Milla, a pressão do FBI e da imprensa, além do mais importante, o conflito interno de se mostrar de verdade ou continuar mantendo sua identidade secreta. Ele então começa a tomar decisões, afetando a si mesmo e todos em volta. O estranho, na verdade, não é acompanhar essas tomadas de decisões, mas como é fácil para ele deixá-las de lado, somente retomando em pontos mais distantes do livro. Esse é o principal ponto negativo da HQ, toda uma construção de motivações e conflitos cada vez mais complexos, para, na reta final, alguém conseguir quebrar isso com uma teoria de colapso nervoso, com Matt e seus amigos (que até então não conseguiam lidar com a forma que enfrentava as situações) voltarem de bom grado a ajudá-lo. Bom, eis os males da nona arte: os clímaces resolvidos em apenas uma edição.
As histórias do Demolidor já são conhecidas por serem mais sombrias e tensas, fator no qual o texto de Bendis não decepciona. Mesmo começando um pouco “morno”, até pela situação de Matt estar tentando se manter um pouco na linha para não levantar suspeitas, a história vai cada vez crescendo, se tornando mais completa em desenvolvimento, principalmente no foco do roteiro, que é o conflito interno de Matt com a divulgação de sua identidade secreta e as consequências disso tudo para ele e para todos que conhece. O interessante é que não acompanhamos tudo apenas na visão de Matt, mas também vemos alguns fatos pela perspectiva de vários outros personagens da história, fazendo com o que o leitor tire suas próprias conclusões sobre as motivações de cada personagem.
Outro pronto importante a se destacar na narrativa são os pensamentos do Demolidor, que Bendis coloca sabiamente na história enquanto os principais conflitos se desenrolam. Neles, conhecemos um pouco mais do super-herói, de seus poderes agindo, além de – principalmente – suas motivações internas para tomar certas atitudes. Esse recurso é enriquecido pela arte de Maleev, que desenha muito bem quadros da visão de Matt. Ou seja, o leitor pode acompanhar os pensamentos do protagonista, mas sua visão bem particular também, causando assim certa empatia para com o personagem que está em intenso conflito durante a história toda.
E por falar na arte de Maleev, ele realmente segue com um estilo de traço bem particular, com pontos granulados escuros, o que enriquece mais a história ajudando a manter o clima sombrio, sujo, um tanto de depressivo e de grande tensão. Esse início devo confessar que me decepcionou um pouco, afinal os traços estão medíocres se compararmos com as próximas cenas. Em contrapartida, algumas cenas conseguiram me tirar o fôlego, principalmente as sequências de luta. Algumas, usando uma linguagem de storyboard, são de extremo bom gosto. Sempre mantendo o foco do leitor para o conflito, com belíssimos destaques para os encerramentos. Alguns deles acreditem, eu gostaria de guardar em uma moldura.
Com uma bela construção de tensão e cenas de luta incríveis, o álbum Demolidor – O Rei da Cozinha do Inferno seria perfeito se não fosse a forma um pouco apresada de resolver situações construídas com tamanha destreza pelo roteiro. Porém, acredito ser indispensável para os fãs do personagem e de histórias com conflitos épicos. Além disso, realmente há artes esplêndidas de Alex Maleev, que marcaram muito essa gloriosa fase do Demolidor. Agora, creio eu, que ainda resta mais um compilado dessa fase que a Panini lançará no futuro. Enquanto edição de luxo não chega, essa segunda edição da parceria Bendis/Maleev é uma obra necessária para qualquer verdadeiro amante dos quadrinhos.