Parece que o hype do Mercenário Tagarela não acaba tão cedo. Mas tudo bem, pois poderia ser pior. Até porque, para falar a verdade, os quadrinhos de continuidade das duas grandes andam meio carentes de qualquer coisa que não seja porradaria cósmica pretensamente grandiloquente. Às vezes, é uma boa mudança de ares pegar alguma coisa estúpida só para tentar dar umas risadas. E a gente sabe que diversão estúpida e descerebrada é a especialidade de Deadpool.
Sendo assim, o amigo leitor que curte essa vibe do Degenerado Regenerado pode conferir agora o segundo encadernado publicado pela Panini, que traz de volta a série solo do personagem. Em Caçador de Almas (Soul Hunter), Deadpool dessa vez se mete com um demônio chamado Vetis, que tem um plano bem imbecil, mas também pretensioso – aos poucos, para não chamar a atenção de figurões do mundo inferior como Mefisto, ele vai arrebanhando almas para si, progressivamente aumentando seu poder. Sua ideia é, com o tempo, ter poder o bastante para ser um demônio autônomo. Uma espécie de capitalismo infernal.
Aí entra o nosso amigo em spandex vermelho. A primeira vida que Vetis tenta estragar é a de ninguém menos que Tony Stark. Os roteiristas Gerry Duggan e Brian Posehn tentam fazer uma graça com uma espécie de retcon daquele que talvez seja o arco mais clássico do Vingador Dourado, O Demônio na Garrafa. A arte desse primeiro capítulo é a única sob a batuta de Scott Koblish, que tenta emular as características dos quadrinhos do final da Era de Bronze. Se ele foi bem sucedido ou não, cabe ao amigo leitor dizer. A história em si passa longe de ser hilária como se deveria esperar de uma HQ de Deadpool – mas aqui esse escriba faz uma ressalva. Por ter lido a HQ original, a brincadeira feita por Duggan e Posehn parece totalmente fora de contexto, porque o arco em questão do Ferroso é um dos mais dramáticos já escritos. Ninguém pensaria em fazer um remake de A Cor Púrpura com Chris Rock como alívio cômico. Humor não cai bem para tudo. Mas, se o amigo leitor é de primeira viagem e desconhece esses arcos clássicos, talvez essa estranheza passe em branco.
Daí para frente, como se pode imaginar, é ladeira abaixo. Voltamos ao presente, onde Deadpool ainda tem o espírito de Emily Preston na sua cabeça. Acompanhado pelo fantasma de Benjamin Franklin e Michael, eles tem que lidar com o retorno do demônio Vetis que, para fazer Deadpool quitar sua “dívida” com ele, ordena ao mercenário recolher as almas de pessoas que realizaram pactos com ele. Tendo em sua cabeça que essas pessoas que fizeram o pacto com Vetis não são exatamente santos, o anti-herói não tem muitos problemas de ir atrás deles.
Como não poderia deixar de ser, é um festival de besteiras. A única coisa que impede Deadpool de sair anarquizando por completo é a presença de Preston na sua cabeça, assim como sua relação com Ben Franklin e Michael. Os coadjuvantes são interessantes, e apesar de uma ou outra piada mais forçada, como Franklin na casa de strip-tease, eles conseguem ajudar o protagonista a manter o humor num patamar razoável e, ao mesmo tempo, se desenvolvendo por conta própria dentro da história. Ponto para os roteiristas, já que esse aspecto no primeiro volume foi um tanto negligenciado.
Os desenhos de Hawthorne, que assume na segunda edição do volume, são competentes e conseguem manter o timing do humor sem apelar para uma caricatura bagunçada dos personagens, um tique recente irritante nos quadrinhos que pendem mais para a graça. E apesar de não ser nenhuma obra genial, é interessante notar que Duggan e Posehn demonstram um conhecimento razoável da trajetória do personagem, ao conectá-lo a personagens como o Treinador, Lady Metaloide e Cable. Se Caçador de Almas não é nenhuma obra prima, ao menos os autores fizeram seu dever de casa.
O desfecho também não é absolutamente supreendente. Longe disso, mas tem o humor próprio do resto do volume, então ao menos é coerente. A única preocupação que pode ficar para o amigo leitor, que ainda não sabe para onde a série solo vai, está nas últimas páginas do volume, que indicam uma guinada dramática da história, o que seria um total desserviço para o personagem. É como colocar Meryl Streep para fazer Corra Que a Polícia Vem Aí! Drama também não cai bem em tudo.
O volume em si mantem o padrão da Panini para a maioria dos encadernados Marvel – capa dura, formato americano. O preço é aquela velha história… Cabe ao amigo leitor decidir se vale a pena gastar 25 reais em um material de qualidade, para alguns, questionável. Mas, se você está no hype e/ou é fã do personagem, talvez seja interessante ter em sua coleção, porque, apesar de tudo, os volumes estão visualmente muito bonitos.
Deadpool é um personagem cujas histórias são tão esquizofrênicas quanto ele próprio – nunca dá para saber o que vem depois. É como aqueles velhos programas de humor da TV aberta – há muito tempo, quando eram novidades, eram genuinamente engraçados. Hoje, agradam apenas a quem não pensa muito no que está consumindo ou não liga para piadas repetidas.
Tem gente que precisa, ou mesmo gosta, de uma eventual banalidade.