Cidade das Águas (Pólen Livros), escrita por Olavo Rocha com arte de Guilherme Caldas, é a adaptação da peça itinerante “Origem e Destino” de Marcos Gomes, que já foi encenada nas ruas de São Paulo, em meio aos passantes – quase sempre invisíveis – que ocupam o espaço urbano. A HQ segue o mesmo itinerário de sua fonte, encabeçada pela exploradora Whitaker e seus companheiros, que percorrem uma trajetória de mais de 8.000 quilômetros de rios, córregos e canais submersos sob o asfalto da cidade, iniciando sua jornada na Praça da Sé até o bairro de Santo Amaro.
A forma desta abordagem acaba por tirar o leitor da zona de conforto, pedindo uma interação maior com a narrativa. Para alguém apenas familiarizado com os quadrinhos tradicionais, pode ocorrer algum estranhamento, mas nada sério ao ponto de comprometer o andamento da história.
A publicação chega em um momento difícil de nossa amada cidade, em meio à crise catastrófica no setor hídrico. O autor, de forma muito inteligente, evoca o passado político da cidade, com a aparição do falecido prefeito de São Paulo por duas vezes, o engenheiro e arquiteto Prestes Maia, chamado de “homem-concreto” devido ao seu famoso “Plano de Avenidas”. Seu oponente, o engenheiro, sanitarista Saturnino Brito, projetista do canal de Santos e autor do relatório melhoramentos do Rio Tietê – que sabemos nunca ter sido implementado – também dá as caras.
Podemos perceber a crítica assertiva às políticas de nosso Estado, que vem de um passado descompromissado com o fator ambiental e com um crescimento planejado da cidade. Também nos lembra de outro assunto polêmico para os moradores de São Paulo; as famosas, amadas por uns e odiadas por outros, ciclovias. A prefeitura, em uma tentativa de criação de meios de transporte alternativos, acaba por perpetuar os mesmo erros do passado. Com a falta de planejamento, o que poderia ser bom, torna-se, muitas vezes um transtorno para a população.
Cidade das Águas talvez tivesse seu roteiro e narrativa mais valorizados com um traço mais realista. Independente disso, a obra ganha muitos pontos pela sua abordagem, seu diálogo direto com outra mídia pouco relacionada ás HQ’s e, principalmente, por suas críticas bastante pertinentes e atuais. Como projeto realizado via ProacSP, é possível que o Estado distribua nas escolas. Talvez fosse mais útil nas câmaras e no congresso…