O Brasil tem uma bela tradição em quadrinhos de terror, consequência de um fascínio que nosso povo tem por “causos” de assombrações dos mais variados tipos, sejam esses relatos derivados do folclore ou incrementados no processo de repassar o que nos contaram. O popular “telefone sem fio” que dá origem a diversas lendas urbanas, algumas nem sobrenaturais, mas o que nos interessa aqui é o tipo de narrativa que muita gente ouviu do pai ou do avô, mantendo esses contos vivos de geração em geração.
Foi com esta pegada que Kiko Garcia criou seu gibi independente, Catacumba, assumindo roteiros e arte. Atualmente com dois números lançados – o primeiro em 2014 e o segundo no mês passado – trata-se de uma antologia onde as histórias são apresentadas por um mestre de cerimônias fixo, como o Guardião da Cripta nas revistas da EC Comics, uma das claras influências do autor. Kiko, inclusive, participa do FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) deste ano.
Destacando cada edição por um tema curioso que une três pequenas histórias, o escolhido para o primeiro número é Pavor na Escada, colocando os personagens às voltas com esse detalhe, quase sempre presente nas casas das histórias de terror. Um casal aterrorizado e confuso, uma dupla de criminosos e um escritor famoso protagonizam, respectivamente, cada uma dessas histórias, tendo encontros não muito agradáveis com o sobrenatural. O segundo número também capricha na escolha do tema, com Loiras Macabras, o que já nos remete imediatamente à Loira do Banheiro, lenda urbana bastante popular. Aqui, vemos como essas aparições atormentam um livreiro, assombram uma escola – o que já era esperado – e até mesmo rodovias do interior do Brasil.
De cara, o apuro gráfico dessa publicação independente chama atenção. Tudo muito bem impresso em papel brilhante de qualidade, na capa e no miolo, valorizando bastante o trabalho de Kiko. Falando em capas, boa escolha de cores no primeiro número, com o segundo ganhando mais destaque, graças a um detalhe diferente impresso em relevo. Além disso, salta aos olhos a criatividade e o bom humor nas contra capas, brincando com aquelas frases comuns, retiradas das críticas de veículos famosos.
Os roteiros são simples, a serviço daquela ideia descrita no início do texto, e nem haveria como exigir mais desenvolvimento em um formato de três histórias distribuídas em 40 páginas. O desenho estilizado, adequado a essa temática, lembra muito o trabalho de Julio Shimamoto, famoso pelo contraste entre branco e preto. Em alguns momentos, alguma influência de Flavio Colin também parece perceptível. Em matéria de narrativa visual, o conjunto funciona bem no começo, mas o segundo número deixa um pouco a desejar, atrapalhando a fluidez da HQ. O excesso de elementos em algumas páginas prejudica sua diagramação, que já é mais difícil pela arte carregada de preto, dificultando um pouco o entendimento imediato das sequencias.
Ainda que haja essa ressalva, o saldo é positivo, valendo pela diversão proporcionada. É visível a paixão que o autor tem pelo tema e o esforço dispensado na empreitada, além do já comentado cuidado na parte gráfica, contribuindo para o leitor embarcar na experiência. Mais uma boa iniciativa de um artista brasileiro, aumentando a oferta para um público que vai além daquilo que está debaixo dos holofotes.
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