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Burroughs – Se a linguagem é um vírus, William é um vetor!

Burroughs

Burroughs

É sempre prazeroso quando nos deparamos com uma obra literária significativa e bem elaborada. Mais ainda quando o autor é nacional, pois sabemos muito bem das dificuldades enfrentadas por qualquer produtor de arte em nossas terras. Felizmente, Burroughs é mais uma prova de que o Brasil é um celeiro fértil de grandes e contundentes obras.

Em Burroughs, o quadrinista João Pinheiro transforma a vida, os pensamentos e as alucinações do escritor William Burroughs em uma história de suspense repleta de humor, terror e pirações. Tudo no melhor estilo psicopático, dualista e paranoico do autor norte-americano.

William Seward Burroughs II (1914 - 1997)

William Seward Burroughs II (1914 – 1997)

Além de escritor, William Seward Burroughs II foi também pintor e crítico social, nascido em Missouri, nos Estados Unidos, em 1914. Ele começou a escrever de maneira efetiva após dar um tiro acidental em Joan, sua esposa. A maior parte de sua obra possui um caráter autobiográfico inserido em ambientes fantásticos povoados por personagens grotescos e bizarros. Por mais que seja considerado parte da Geração Beat, do final dos anos 50 e início dos 60, sua escrita é ligeiramente distinta de outros livros deste movimento. Com narrativas se desenrolando dentro de um universo escatológico e o uso de entorpecentes para a produção de textos subjetivos, William se tornou um dos pioneiros da literatura experimental. “Almoço Nu” (Naked Lunch) é o romance mais conhecido dele.

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O quadrinho começa mostrando o momento da morte de Joan, basicamente o ponto de partida para a carreira literária de Burroughs. A partir do evento, o protagonista anda pelos becos mais surreais e absurdos da cidade em busca de uma ajuda ou de “algo”. Durante essa jornada, encontramos os mais diversos personagens, de alienígenas e baratas gigantes, até alguns que parecem saídos da obra de David Lynch e outros vindos de Cronenberg. Cada um com uma tarefa específica, que constrói e instiga a mente de William para que cumpra com seu destino. Ao começar a escrever, o protagonista revela uma capacidade ímpar do domínio da arte escrita. Com textos fortes e simbólicos, suas palavras conseguem “infectar” seus leitores.

Tudo que o protagonista passa e pensa ao longo da narrativa tem um paralelo com a vida real. Desde o início de sua homossexualidade até reflexões que mais tarde se tornariam suas obras mais famosas. Toda essa loucura e surrealismo se encaixam perfeitamente com o universo de Burroughs, afinal, o próprio dizia que “a única coisa real sobre um escritor é o que ele escreve, e não a sua vida”.

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O roteiro, a diagramação e o desenho do quadrinho condizem e estão em pura harmonia com o universo retratado. Os traços, ora mais, ora menos carregados, a ausência de cores e o contraste conseguem fazer com que tudo que estamos vendo seja mais fluído e menos rígido, como se os personagens fossem manchas que só fazem sentido através da Gestalt, ou seja, pela totalidade de suas formas.

Talvez, a única coisa que quebre um pouco a narrativa seja o final do segundo ato, que se torna muito mais confuso que o restante da obra. Percebemos que isso foi algo proposital e até faz sentido dentro da história, mas, de qualquer forma, acaba afastando um pouco o leitor que já estava inserido em determinado ritmo. Porém, isso não compromete o conjunto da obra de maneira alguma.

João Pinheiro com páginas da HQ Burroughs ao fundo

João Pinheiro com páginas da HQ Burroughs ao fundo

Burroughs é um quadrinho de altíssimo nível, tanto em termos técnicos – roteiro e arte – quanto em tema. Utilizando como base a vida e obra de um dos escritores mais intrigantes do século XX, com uma mistura de humor, terror e extratrerrestres, João Pinheiro nos entrega um exemplar nacional da nona arte que merece a atenção de qualquer leitor assíduo, não só de quadrinhos, mas também de literatura.

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